Sendo um filho do Amazonas e de família tradicional da terra do guaraná aventurei-me neste final do mês de maio juntamente com os meus em direção a cidade maravilhosa de Maués a fim de participar da mais religiosa e conhecida festa da cidade, a Festa do Divino Espírito Santo, que ocorreu nos dias 28 de maio a 05 de junho, organizada e conduzida com muito zelo pelos dedicados irmãos da Paróquia Nossa Senhora da Conceição e Divino Espírito Santo, igreja Catedral daquele município.
Além das festividades e reencontro com a família que lá reside, esta provou ser uma oportunidade perfeita para experimentar em primeira mão os impactos e reflexos de nosso modelo econômico na vida e atividades do homem do interior, quais os desafios do modelo ZFM, suas principais contribuições ao desenvolvimento da economia do Amazonas e principalmente do município.
Longe de ser um estudo com os rigores do método científico, preferi me dirigir ao conhecimento empírico-experimental, vivência direta acerca do objeto de estudo, adianto e reconheço de antemão que os poucos dias que lá estive (cinco no total) certamente não deram conta de mapear e conhecer todos os aspectos e reflexos econômicos e sociais do que me propus a verificar, contudo, no pouco tempo desprendido a esta nobre missão, uma visão panorâmica destes aspectos pode ser experimentada e aqui refletida, quem sabe espelhando realidades semelhantes em outras “pairagens” deste nosso Estado.
Como toda jornada tem um início, a minha começou na dificuldade enfrentada com o transporte, poucas opções de voo, barcos com horas restritas e transcurso mais longo para chegar, no caso do aéreo, passagens com o custo muitas vezes superior ao encontrado para deslocamentos ao sudeste e sul do país, em vista do tempo e agenda optei pelo aéreo na companhia cujo nome reproduz a cor do meu querido boi Caprichoso, poucos lugares, avião pequeno mas uma hora e quinze minutos depois já me encontrava na terra de meus ancestrais.
Feita a recepção familiar, começou minha experiência em contato com o modelo ZFM, primeiro campo de teste foi, devido ao horário, o almoço. Com bom caboclo que sou pedi que me levassem a um restaurante na cidade para provar do delicioso Tambaqui regional, para minha surpresa e espanto, segundo informado, restaurantes da cidade em regra não servem peixe, ou o fazem com certa dificuldade por falta de matéria prima, devido a ausência principalmente de estrutura adequada, pescadores locais só se lançam a comercializar peixe em épocas específicas, descobri que não há frigorífico para armazenagem, tampouco fábrica de gelo (a única existente fechou) para conservar o pescado, assim sendo esta importante fatia da economia é relegada a terceiro ou quarto plano.
Não me dando por vencido, fui em busca de alternativas, encontrei então o bendito Tambaqui em um restaurante-flutuante próximo, pedi o prato e enquanto aguardava a caldeirada conversei com o proprietário do estabelecimento, ouvi as dificuldades enfrentadas, a ausência de turistas, mesmo nesta época de festividades, dentre outras situações, ao chegar o pedido solicitei como de praxe o limão, a pimenta e a saborosa farinha da terra de Vera-Cruz, comunidade localizada próxima a Maués e famosa pela produção desta iguaria, nova surpresa, todos estes itens não são mais produzidos localmente, farinha e limão vem de Manaus, pimenta e (depois descobri) cheiro-verde vem do Ceará, isto mesmo, do Nordeste, mais uma vez a ausência de incentivo e infraestutura adequada fazem com que o comércio local busque trazer de fora do Estado itens básicos da culinária regional.
Infraestrutura ou melhor a falta dela foi a palavra que mais ouvi em minhas andanças, conversando com agricultores, pescadores, produtores em geral, comerciantes e empresários, funcionários do governo, todos unânimes, falta de infraestrutura e excesso de burocracia são os principais impeditivos ao desenvolvimento econômico da região.
Para se ter uma ideia da gravidade da situação, descobri que o principal cultura de plantio da região e pelo qual a cidade de Maués é mundialmente conhecida – o Guaraná – amarga (sem trocadilho) reveses econômicos tais a ponto da produção não escoada ser descartada nos rios, comprador único na cidade (Ambev) não absorve toda a produção de agricultores independentes, haja vista ela mesma ter seu próprio cultivo.
No setor agro, alternativa para produção é o cultivo e manejo de Pau-Rosa, conversando com o único Produtor do Estado, o amigo Carlos Magaldi, cuja família apostou neste viés produtivo-econômico ainda na década de 80, apresentou a mim todo o processo produtivo básico: plantação, extração, processamento, armazenagem e distribuição, todos eles com algum “gargalo” devido a falta de estrutura adequada, somando-se a isto a grande burocracia que fez com que os demais que se aventuraram neste cultivo não sobrevivessem.
O espaço da coluna desta semana não comporta todos os vieses observados, mas do pouco até aqui explanado é suficiente para aferir sem medo de errar que há necessidade de uma ressignificação do modelo econômico para a cultura do interior, muitos desafios e a produção e desenvolvimento encontrados são em muito devidos ao espírito aguerrido e guerreiros dos heróis anônimos, povo de Maués que a despeito das adversidades insistem em manter sua ligação com a terra, com as raízes e tradições, esperando que se mude para melhor, que o mínimo de incentivo e estrutura seja feito para trazer a prosperidade ao seu modo de vida.
Não poderia encerrar o texto desta semana sem agradecer aqueles que encontrei nesta caminhada, em especial aos amigos Carlos Magaldi, Professora Rosangela, Jane Crespo, S. Ornan, a esposa Vânia e filhos Mauro e Bruno, meus amigos de infância juntamente com Carlos Eduardo, o nosso motorista e conhecedor de todo mundo nesta cidade encantada Raphael Faraco, as Rádios Guaranópolis e Independência, e tantos outros igualmente importantes, o meu muito obrigado pelas esclarecedoras conversas, por tirarem seu tempo para me receber e responder minhas indagações, por mostrar in loco o que é a ZFM para o homem do interior.
Nos próximos capítulos desta saga aqui descrita, pretendo abordar um fator de suma importância ao nosso desenvolvimento e igualmente deficitário, comunicação. O Amazonas é o nosso País.
Anderson F. Fonseca.
Professor de Direito Constitucional.
Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM.