Por Alfredo MR Lopes (*) alfredo.lopes@uol.com.br:
Açoitados pelo medo e apegados na afirmação da esperança, vivemos a contradição de um dilema que é – a um tempo – político, socioeconômico e existencial na medida do poder meditação de cada um. Buscamos vislumbrar um caminho em meio à insegurança jurídica e a penúrias econômica que castiga o modelo ZFM, penalizando, principalmente, aos despossuídos, os barrados no baile da acumulação e, miseravelmente, da contravenção que se banaliza e naturaliza num cotidiano sem utopia nem ‘teogonia para se encostar”, para ilustrar o cenário com “ E agora, José?” de Carlos Drumond.
Um modelo dependente do capital industrial que, em todos os recantos fabris do planeta, encolhe a cada dia na virtualidade digital do novo milênio. Acompanhem a China e rezemos pelos chineses, pelo tamanho do modelo e o estrago de um eventual tombo estrutural. O modelo fabril, no caso da ZFM, agoniza também pela inépcia federal e pela escassez de tecnologia, que agregaria inovação, diversificação e valor ao processo industrial e sua interiorização e inclusão das vocações adicionais, sobretudo biotecnológicas. O modelo também se amofina pela frágil competitividade, refém do incentivo capenga, que se baseia na renúncia e se radicaliza num vampiresco confisco. Em outras palavras, são tão gritantes as razões do medo que outra atitude nos resta senão empurrarmo-nos a todos a partilhar energias, criatividade e talento a fim de robustecer a esperança, no sentido do verbo esperançar – jamais de ficar esperando na posição de aguardar passivamente a mudança acontecer. Esperançar é construir a hora, antecipar a utopia, fazer da adversidade a dialética da transformação.
O modelo ZFM foi colocado de cabeça para baixo, na inversão de seu conceito e na inversao de seus propósitos. A triangulação inteligente entre comércio, indústria e agricultura foi desenhada para evitar a concentração industrial, promover as vocações naturais do patrimônio genético e inserir no mercado produtos e receitas capazes de ocupar racionalmente o vazio amazônico e integrar suas vocações continentais na dinâmica econômica nacional e global. Em vez disso, o modelo foi empurrado para a produção industrial sem reinvestir nos demais setores os dividendos das riquezas produzidas. Resultado: com o advento da crise e com o perfil da produção industrial que não deu prioridade aos bens de primeira necessidade, a ZFM precisa se reinventar, urgentemente, para subsistir, na busca de novas modulações econômicas que utilizem o modelo atual como ponto de partida de ampliação e regionalização fabril.
Um acontecimento extraordinário, nesse contexto de fabricação da esperança, se deu com o lançamento da obra “Pan-Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e crescimento”, dos Organizadores: Osiris M. Araujo da Silva e Alfredo Kingo Oyama Homma. Trata-se de uma obra interdisciplinar, densa, reflexiva e proativa, com perspectiva da Amazônia Continental, portanto, integrada e integralizadora, convidando os governos e demais atores do Continente, mesmo aqueles que não compartilham o bioma florestal, a debruçar-se sobre sua importância estratégica, climática, de ciência, tecnologia e inovação para oferecer respostas para o Brasil, seus vizinhos e toda a humanidade. De quebra, uma chance única, num contexto belicoso e destrutivo que toma conta da Ásia e sua interface ocidental, de demonstrar o imperativo da comunhão como instrumento de revolução pacífica e crescimento equilibrado ambientalmente, socialmente justo e economicamente próspero. Olhando do ponto de vista local, sem perder o alcance holístico da Panamazônia, vale a pena começar a leitura pelo artigo “Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo e agenda de aperfeiçoamento”, de José Alberto da Costa Machado e Rosa Oliveira Pontes. Num recorte histórico extraordinário, posto que denso e interpretativo, os autores analisam caminhos e descaminhos deste acerto fiscal admirável e sua temerária desconstrução e esvaziamento se não formos capazes de fazer cumprir a lei, executar o projeto e exercer o sagrado dever de casa. Só assim saberemos como, porque e para onde vai caminhar a ZFM.
(*) Alfredo é filósofo e ensaísta.