Os dias que antecederam a assinatura do DL 288, em 28 de fevereiro de 1967, pelo primeiro presidente do recém instalado regime militar, Humberto de Alencar Castello Branco, foram plenos de expectativas, de movimentação dos meios de comunicação, das classes empresariais, estudantis e sindicais. A tarefa a cumprir não era nada fácil. Afinal, a Amazônia, não obstante o Plano de Valorização Econômica da região, instituída na Constituição Federal de 1946 (Art. 199) amargava ainda as vicissitudes do fim do ciclo da borracha. A economia entrara em profundo estado letárgico, de hibernação, como os ursos polares. Só que o nosso inverno se arrastava já a mais de 50 anos. A Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia – SPVEA, instalada em Belém, em 1953, ocupou-se mais da parte oriental da região, deixando a Amazônia Ocidental à míngua.
No Amazonas, distante do centro do poder, política e economicamente depauperado, a rotina de vida de sua população era a do sol com a lua. Imutável. A economia dependia exclusivamente do extrativismo, do comércio local e exportações de produtos regionais (madeira, essências vegetais, couros e peles, borracha, balata, sorva, piaçava, pescado) e da renda do funcionalismo público. Incipiente indústria de beneficiamento de alguns desses produtos, como castanha, borracha e óleo de pau rosa, sustentava empregos e contribuía modestamente para a formação da renda estadual.
Até 1952, quando o empresário Isaac Sabbá recebeu a concessão do Conselho Nacional do Petróleo – CNP e implantou a Refinaria de Manaus – REMAN. O empreendimento estimulou a implantação de outros negócios em Manaus, como o Hotel Amazonas, indústrias madeireiras e de tecelagem de juta. A economia voltava a respirar, esperanças se renovavam.
O Brasil hipotecara seu futuro em 1964. O regime civil-militar iniciava uma jornada incerta, temerosa, a sociedade dividida em relação aos métodos e aos objetivos do novo ordenamento político. As distâncias geográficas e a falta de infraestrutura, como energia elétrica, impedia avanços na industrialização do Estado. Inexistia, por outro lado política voltada à agropecuária, erro que subsiste até os dias de hoje. A instituição da Zona Franca de Manaus – ZFM, cria-se, viria mudar tudo.
Dois nomes assumiram a liderança da preparação da casa (Manaus) para o grande salto que se imaginava seria dado: Umberto Calderaro Filho, proprietário e dirigente maior do jovem e combativo jornal A Crítica, e Felipe Daou, diretor de O Jornal e Diário da Tarde, organizações de propriedade de D. Lourdes Archer Pinto. D. Lourdes, como era chamada, assinava a influentíssima coluna social Betina e gozava de grande prestígio em Manaus, inclusive no meio militar. Ela teve enorme participação no processo de assinatura do DL 288 por meio de seus amigos militares de Brasília.
Em Manaus, Umberto Calderaro e Felipe Daou, com o decisivo e incansável apoio de suas equipes de repórteres, empreenderam memorável movimentação, envolvendo grêmios estudantis, sindicatos, associações de classe, autoridades governamentais. Cito, de memória, os jornalistas: Raimundo Albuquerque, Abrahim Aleme, Frânio Lima e Domingos Sávio Lima, por A Crítica.
Ulisses Paes de Azevedo, Milton Cordeiro, Ajuricaba Almeida, Arlindo Porto, Correa Neto, Carlos Arantes e o colunista que vos escreve. Na qualidade de estudante de Economia, fui um dos encarregados de recolher Notas de Apoio, Moções de Solidariedade junto a entidades diversas. Publicadas, eram em seguida enviadas a Brasília afim de que o Planalto sentisse o pulsar das expectativas da Planície.
A Zona Franca veio, por fim, mexeu com toda a cidade, para o bem e para o mal. Gerou e frustrou expectativas. Manaus, definitivamente perdeu a elegância e o glamour da época da borracha. Os resultados alcançados não foram os esperados. O espírito de 1967 arrefeceu-se, a luta pela Zona Franca, obra inacabada, restringe-se a poucos atores.
Definitivamente, urge resgatar, em 2017, o espírito de luta e de mobilização de Umberto Calderaro e Felipe Daou. A ZFM é órfã dessas duas grandes figuras.