Prefeitos municipais, durante cerca de meio século de vigência da Zona Franca de Manaus têm-se deixado conduzir, preponderantemente, como meros figurantes do processo de defesa e consolidação do modelo, quando, de fato e de direito são protagonistas. Afinal, o complexo está localizado em nossa cidade, não em Belém, Cuiabá, Fortaleza, Vitória ou Porto Alegre. As responsabilidades que lhes pesam sobre os ombros são, indubitavelmente, bem maiores, posto que irrenunciáveis e intransferíveis. O interesse da sociedade assim o impõe. O político omisso até pode ganhar eleição, dar nome de ruas a seus familiares e partidários, mas logo, esquecido, como tantos, será jogado no lixo da história.
Importante que se recorra à análise histórica para constatar que Manaus, atipicamente, inchou em consequência do avassalador processo migratório interior-capital derivado da implantação da ZFM, em 1967. Seu crescimento demográfico não se deu em função da expansão econômica natural campo-cidade, segundo o modelo standard brasileiro; mas, do esvaziamento das zonas rurais, que perderam significância para o crescimento industrial, do comércio e dos serviços ocorrido na Zona Franca. Com efeito, de uma população em torno de 150 mil habitantes em 1967, hoje supera dois milhões de habitantes. Um aglomerado humano de baixa qualidade de vida e conforto urbanístico.
Na década de 60, a capital amazonense não passava de uma cidade bucólica, sem atrativos à promoção de investimentos. Naquele período, o então chamado “porto de lanha” definhava em termos urbanos, econômicos e sociais. Contava com uma universidade estagnada, enfrentava grave falta de energia elétrica. Além de exíguo mercado consumidor combinado ao baixo poder aquisitivo de sua população, a cidade ressentia-se (e ainda se ressente) de sistemas de transporte e comunicação satisfatórios. Isolada dos centros do poder político e mercadológico, sua economia, além de frágil, não oferecia perspectiva de avanço. No ano de 1964, segundo dados da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), 97,6% dos investimentos incentivados na região estavam no Pará. No Amazonas, apenas 2,4%.
Com o definitivo declínio da borracha após o fim da Segunda Guerra (1939-45), a economia do Estado restringiu-se a atividades de baixa densidade econômica (PIB/Área) e reduzida produtividade: cultivo em escala rudimentar de juta, arroz, pesca, caça e agricultura. Manaus, entrementes, tornou-se estratégico entreposto comercial intermediário da economia extrativista aos mercados internacionais. Tal cenário não foi suficientemente evidente para sensibilizar as autoridades e induzi-las a buscar alternativas visando a diversificação da economia. O saldo desse alheamento é extremamente negativo para a sociedade que, em escala ascendente, se ressente de serviços públicos de qualidade e perspectivas de crescimento econômico.
Como dois terços de Manaus são de favelas e a cidade continua atraindo migrações populacionais, dificilmente se promoverá reversão desse quadro adverso sem forte mudança de paradigma que pressuponha geração de emprego e renda no interior. Ao manter-se o cenário atual, caracterizado por déficits públicos monumentais, nem milagre permitiria ao Município equilibrar as finanças públicas e realizar investimentos de qualidade em urbanização, saneamento básico, transporte, educação, saúde e segurança pública.
O cenário é de profunda escassez de recursos. Arthur Neto, contudo, não pode deixar-se engessar pela crise. Terá que inovar, ampliar horizontes, adotar medidas austeras de ajustes ficais, cortar gorduras, combater implacavelmente desperdícios e desvios, preservando, contudo, os setores fundamentais para a municipalidade. E ainda, juntar-se compulsoriamente ao governo do Estado, à Suframa e às classes empresariais em busca de alternativas. Jamais, todavia, ficar à espera de Godot, o personagem da peça teatral de Samuel Beckett, que, enigmaticamente, não virá.