Por Alfredo Lopes:
É sempre necessário mirar no retrovisor da História para entender a hora presente e planejar um futuro coerente com nossa trajetória de resistência. Entre 1823 e 1840, o GrãoPará – uma experiência de civilização arrojada, liberal, modernosa e cosmopolita – foi anexado brutalmente ao Brasil. A Amazônia, com a Guerra da Cabanagem, perdeu 40% da população (mais de 60% da população masculina) e toda sua base econômica, lembra Denis Minev. Este volume de mortes é proporcionalmente maior em revelação aos chocantes genocídios de Ruanda, Camboja, Armênia ou Síria, nos séculos XX e XXI. Restou-nos o atavismo da Cabanagem, como símbolo de mobilização popular. São Cabanos, por exemplo, as vítimas do Eldorado de Carajás. Historicamente, é uma revolução que exportou líderes revolucionários e seus ideais. Antes disto, contudo, o mesmo movimento ensinou a liderança à “cabucada” da Amazônia, transmitindo-lhes um significado particular para palavras como “constituição” e “patriotismo”. Como espólio desse genocídio, porém, o fator humano da Amazônia se tornou praticamente invisível para o resto do país. Uma terra sem rosto e um território a ser “integrado”, ocupado e desenvolvido de fora para dentro, por projetos grandiosos de colonização, mineração, agricultura ou de exploração madeireira. E aqui reside o mérito do modelo ZFM e as razões para tanta pressão por aqueles que a espiam à distância sem enxergar seus avanços, acertos, contradições e demandas. E o mais grave, neste imbroglio, é identificar inimigos que aqui nasceram e daqui saíram sem jamais deixar de sobreviver à sombra de seus acertos, na teta de seus benefícios. Órfãos da Cabanagem, esses desertores, para usar um termo vulgar, adotaram o paradigma da sacanagem.
Na reportagem sobre rombo fiscal da Folha, no último domingo – motivo de festa para os falsos cabanos – a ZFM é o maior vilã. Os dados, porém, lhe conferem o reconhecimento de maior acerto fiscal da história do Brasil. Criada, com base no Artigo 43 da Constituição Federal, pelo Decreto-Lei Nº 288/67, como modelo incentivado – industrial, comercial e agropecuário – com objetivo de reduzir as desigualdades regionais e integrar a Amazônia ao resto do país, a ZFM, tem cumprido o papel de resguardar o patrimônio natural amazônico.A União, pra variar, não cumpriu seu papel. Em lugar de promover – com parte os recursos aqui recolhidos – a infraestrutura de competitividade e qualificação adequada de recursos humanos para inovação e bioeconomia, meteu a mão na grana. São robustas as contribuições deste modelo com a interiorização do desenvolvimento, através do fomento do turismo e cadeias produtivas, a qualificação técnica e acadêmica dos jovens e adultos, entre outros benefícios propiciados pelos fundos estaduais, como o FTI, FMPES, UEA/CETAM, R$1,4 bilhão/ano. Sobram recursos, porém falta transparência na aplicação da maior parte. E os recursos pagos para P&D, pesquisa e desenvolvimento, Taxas da Suframa R$ 1,2 bilhão/ano foram aceleradamente confiscados a partir de 2004. Há problemas e contradições, mínimas se comparadas aos rombos nos cofres públicos que o cordão da sacanagem anistia e justifica. O Amazonas mantém intacta mais de 90% de sua cobertura florestal, coerentes com os compromissos do Brasil no Acordo do Clima, em Paris, graças à ZFM, que gera mais de 600 mil entre diretos e indiretos em Manaus, e 2 milhões ao longo da cadeia em todo o país. Existem em São Paulo o equivalente ao investimento de 3 ZFMs a produzir insumos para o polo industrial de Manaus. De 2009 a 2014, de um total de R$ 1 trilhão,investido pelo BNDES – instituição focada no desenvolvimento nacional – de 2009 a 2014, no Amazonas foi aportado apenas R$ 7 bilhões para obras inconclusas,, enquanto São Paulo, sede das empreiteiras, cujos dirigentes estão presos em Curitiba, recebeu R$ 245 bilhões, 33 vezes mais que o Amazonas, ora acusado de arrombar as finanças públicas pela mídia do Sudeste. Mais um sonífero bovino da Corte e seus arautos.
Viva a Cabanagem, viva a luta dos cabanos que aqui estão!