Até o início dos anos noventa, o fisco federal, nos procedimentos de fiscalização, tinha acesso a informações protegidas por sigilo bancário. Em dado momento, pretendeu colher dados sobre cartões de crédito. As administradoras desses cartões estavam dispostas a atender à demanda. O fisco, todavia, se excedeu em exigências relacionadas com a periodicidade na entrega de informações.
A atitude abusiva deflagrou uma reação de todos que detinham responsabilidade pela guarda do sigilo bancário, daí resultando um litígio judicial, cujo desfecho veio em desfavor do fisco, pois foi sancionado o entendimento de que o acesso àquelas informações estava condicionado à prévia autorização judicial.
O retorno à situação anterior envolveu uma longa caminhada, que teve início com a instituição da CPMF. Foram, justamente, as informações coligidas a partir dessa contribuição que mostraram casos clamorosos de sonegação, cujo enfrentamento se tornava praticamente impossível, porque não se permitia a utilização daqueles dados para constituição de créditos de outros tributos.
As restrições que tolhiam o acesso do fisco a informações protegidas por sigilo bancário foram removidas com a sanção, em janeiro de 2001, das seguintes leis e decreto: Lei nº 10.471 que eliminou a vedação para que o fisco utilizasse dados da CPMF para constituir créditos de outros tributos; Lei Complementar nº 105 e Decreto nº 3.724 que ofereceram o apropriado fundamento legal para o acesso do fisco a informações protegidas por sigilo bancário, de forma incidental ou sistemática, fixando critérios extremamente rigorosos para a requisição e guarda das informações, e delimitando o acesso a matéria estritamente fiscal, em respeito à intimidade do contribuinte.
A Lei Complementar nº 105 e o Decreto nº 3.724 atingem, em caráter permanente, os mesmos fins que as informações oriundas da CPMF alcançavam em caráter provisório.
Contra essas normas foram interpostas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs), ainda não apreciadas pelo STF, cujo êxito é, entretanto, pouco provável, não apenas em virtude dos sólidos fundamentos jurídicos que as embasam, mas especialmente pelo uso criterioso dos instrumentos postos à disposição do fisco, com bons resultados no combate à sonegação.
Na maré contrária à mencionada boa prática, lamentavelmente, nos últimos meses, a imprensa tem veiculado informações que evidenciam vazamento de informações protegidas por sigilo fiscal.
Primeiramente, foram divulgados controversos autos de infração, lançados em desfavor do Banco Santander e da Ford, e questionamentos sobre compensações legítimas feitas pela Petrobrás, no contexto de desarrazoadas justificações para mudanças administrativas na Receita Federal.
Já agora se noticia lançamento, aparentemente inconcluso, em matéria extremamente polêmica, contra a BM&FBovespa, repercutindo no movimento da bolsa de valores e gerando ganhos e perdas indevidos para aplicadores.
De igual forma, vazaram, pela imprensa, informações fiscais relativas a uma empresa, cujo titular é candidato à Vice-Presidência da República, para não falar das que aparentemente seriam utilizadas para produção de criminosos dossiês a serem utilizados na campanha eleitoral.
Em tudo, há uma clara ofensa à obrigação de sigilo estabelecida no art. 198 do Código Tributário Nacional e indício de crime à vista do art. 325 do Código Penal.
O juiz John Marshall, em célebre frase, dizia que “o poder de tributar não pode chegar à desmedida do poder de destruir”. O Ministério Público e a própria Receita não podem ficar indiferentes a fatos que comprometem o estado democrático de direito, cabendo-lhes apurar rigorosamente os responsáveis pela prática dessas vilanias fiscais.
Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal