Vida de repórter; na caça a Lula

Por Eliane Aquino:

Na busca de cumprir a pauta, valeu “lobby” petista de deputado do Amazonas

O ano de 1987. A cidade Brasília. O local, Congresso Nacional.

Repórter de Política do Correio Braziliense, eu estava na capital federal há pouco mais de quatro meses.

A mim, parecia que, de repente, todo o país se concentrava ali. Circulavam pelos corredores e gabinetes parlamentares centenas de representantes do Ministério Público, OAB, Judiciário, médicos, professores, entre tantos que tentavam incluir na nova Constituição, direitos, liberdade, autonomia.

Eleito deputado constituinte pelo PT de São Paulo, Lula, era de fato, uma celebridade no Congresso Nacional. Não havia jornalista que não quisesse em entrevistá-lo. Representava a esquerda, os trabalhadores, vinha da pobreza, do Nordeste.

Estava sempre nas Capas dos jornais, nos telejornais, em programas de rádio.

O gabinete de Lula mais parecia uma assembleia de trabalhadores. Era gente entrando, gente saindo, um alvoroço total.

Eu, ali, praticamente recém-chegada de Salvador, tentando decifrar caminhos e meios para chegar até o meu entrevistado.

A matéria era o tal pingue-pongue do domingo. Ou seja, eu precisaria de pelo menos, meia hora, quarenta minutos com Lula.

Gravador, bloco e caneta na mão, além do crachá do jornal, eu fui ao gabinete de Lula. Difícil era até saber quem o assessorava e quem estava lá para falar com ele. Consegui falar com um rapaz que trabalhava com ele. Foi franco e desanimador. Impossível o deputado parar, nem que seja por meia hora, para me dar a entrevista.

Era uma quinta-feira infernal naquele Congresso.

E eu comecei a sentir saudades da tranquilidade das pautas de Cidades do jornal Correio da Bahia.

Fui ao plenário. À porta do plenário, mais especificamente. Entravam quatro, cinco constituintes de uma vez só, como se andassem em blocos. Impossível até ver quem chegava e quem ia de um lugar a outro. Sempre, à espreita, a grande imprensa, jornalistas até de outros países.

Alguém me dizia: “Lula está no plenário”. Outro, me informava: “Lula está no gabinete”. Era sempre assim: “Lula está em reunião em alguma comissão”. “Lula está reunido com outros parlamentares em local incerto e não sabido”.

Decidi ir ao Comitê de Imprensa para escrever minha matéria do dia, enquanto pensava na “caça” a Lula.

Eu tinha até sábado, 13 horas, para entregar a entrevista.

Nas perguntas, questões polêmicas à época, como aborto, reforma agrária, voto aos 16 anos.

No Comitê de Imprensa, encontrei, sendo entrevistado, o deputado Ricardo Moraes, do PT do Amazonas. Eu o conheci em Manaus, em 1985, e ele foi uma fonte importante para minhas pautas nos jornais A Notícia e A Crítica, por onde passei naquele período.

Ricardo me disse que tomaria um café pela manhã, com Lula, no bar da Lúcia, no Núcleo Bandeirante, no dia seguinte, às 7 horas. Lúcia era uma pernambucana de Garanhuns que fazia sucesso com suas galinhadas e buchadas em Brasília.

Convidada ao café, lá estava com fotógrafo, às 6h30.

Já avisado por Ricardo Moraes, Lula não se fez de rogado e conversamos durante cerca de uma hora. Minha matéria foi para a Capa do jornal de domingo, e meu editor, Armando Rollemberg, brincava na redação dizendo que eu inaugurara no jornalismo o “lobby” para as entrevistas.

A partir daí, ganhei pautas interessantes para uma novata em Brasília.

Em tempo: entre outras questões,na Constituinte Lula foi favorável à limitação do direito de propriedade privada, ao aborto, à jornada semanal de 40 horas, à soberania popular, ao voto aos 16 anos, à estatização do sistema financeiro, à criação de um fundo de apoio à reforma agrária e ao rompimento de relações diplomáticas com países que adotassem políticas de discriminação racial.