Por Paulo Figueiredo:
O deputado estadual Serafim Corrêa, quando prefeito de Manaus, construiu um viaduto no cruzamento da Recife com a Darcy Vargas e inaugurou a obra viária com o nome de Miguel Arraes, então presidente do Partido Socialista Brasileiro – PSB. Foi criticado por quem achava que o homenageado deveria ser amazonense, uma reação xenófoba, ou alguém com serviços prestados ao Estado ou a cidade de Manaus.
Agora, com a celebração dos 100 anos de nascimento de Arraes, sinto-me na obrigação de manifestar minha opinião a respeito da deferência dedicada ao velho político pernambucano. Desde os anos 60 do século passado, devo dizer que sempre vi Miguel Arraes como homem público de expressão nacional, com atuação honrada e digna, admirado especialmente por quem se alinhava com suas ideias e projetos.
Vou além. Com Carlos Drumond de Andrade, digo que Arraes tinha o sentimento do mundo. Não apenas com duas mãos, como o poeta em seu clássico poema, mas de corpo inteiro, solidário e fraterno, sempre à disposição do povo brasileiro. Nativo de uma das regiões mais sofridas do Brasil, tinha consciência das profundas desigualdades regionais que marcam a história do desenvolvimento econômico do país. Neste ponto, identificava-se com os amazonenses, sintonizado com a presença umbilical e enriquecedora dos nordestinos na formação sociológica da gente do Norte.
Miguel Arraes pensava o país e o homem brasileiro. Inspirava-se no sofrimento de suas camadas mais desprotegidas, ao longo de séculos relegadas ao abandono, mas sempre sob influxos libertadores. Olhava de forma generosa para o conjunto da Nação, em seus múltiplos estamentos sociais e políticos, irresignado e distante dos caminhos radicais e opostos do Estado mínimo ou máximo. Tratava de uma reflexão alimentada a partir de 1963, quando tomou posse como governador de Pernambuco. Em contraposição ao que considerava uma postura limitadora, acenava com o Estado eficiente, fundado no integracionismo social e federativo, que permitiria a construção de uma nova relação entre os entes da Federação, com a União e as instituições fundamentais da República.
Probo, intransigente no respeito aos princípios da ética e da moralidade na administração pública, dizia que “o dinheiro é uma coisa perigosa e na mão de um homem público é um desastre”. Que o digam os maiores expoentes do PT, presos pelo Mensalão ou processados e presos pela Lava-Jato.
A equação de Arraes com o Nordeste era tão grande que foi cantado em prosa e verso pela literatura de cordel, como os grandes mitos da região, durante o período de exílio que durou mais de 14 anos, imposto pela ditadura militar. Em seu retorno, após saborear um mungunzá – hábito alimentar que o amazonense também herdou dos nordestinos –, na casa de sua mãe, no Crato, Ceará, uma multidão jamais vista nas ruas do Recife foi recebê-lo em comício memorável, do qual participaram as mais notáveis lideranças políticas da época e de todo o Brasil.
Embora tenha sido instado a reintegrar-se à vida pública nos dois maiores Estados do país, como político de projeção nacional, exatamente como fez Brizola no Rio de Janeiro, Arraes preferiu voltar ao governo de Pernambuco, de onde antes fora retirado pela força do arbítrio e da opressão ditatorial. Consagrou-se, mais uma vez, com vitórias eleitorais retumbantes, pelo MDB e PMDB, até compor definitivamente as fileiras do PSB, como nome de maior expressão da legenda.
Estive com Arraes em rápido contato na casa do governador Gilberto Mestrinho, em Manaus, aonde chegou acompanhado de Serafim Corrêa. Senti nele, apesar da idade já avançada, a presença forte do líder intimorato, do político de sólidas convicções, do homem intransigente na defesa do interesse público, do ser humano extremamente sensível ao sofrimento de seus semelhantes, uma inata vocação política destinada à realização do bem comum.
Portanto, a homenagem que o brasileiro e amazonense Serafim Corrêa prestou ao cearense e brasileiro Miguel Arraes é das mais justas. Um tributo a quem amou como poucos o Brasil, ao final sancionado pela memória coletiva da Nação, como apóstolo das causas mais sensíveis e urgentes do nosso povo.