Do CONSULTOR JURÍDICO:
Por Alessandro Cristo
Ao declarar que a Lei de Imprensa sempre foi inconstitucional, o Supremo Tribunal Federal não avançou sobre processos já transitados em julgado. É como entende o relator da ação que enterrou a norma, ministro Carlos Ayres Britto. A decisão, dada no ano passado pela corte, foi o principal argumento usado pela revista Veja para não publicar uma sentença que a condenou por danos morais cometidos contra o ex-secretário-geral da Presidência da República, Eduardo Jorge Caldas Pereira. A defesa da revista tentou emplacar no Supremo a tese de que, sendo inconstitucional, a lei foi riscada do mapa, e com ela a obrigação de publicação de sentenças, mesmo em casos já transitados.
Não funcionou. Na última quarta-feira (19/5), Britto resolveu extinguir a Reclamação ajuizada pela Editora Abril, que publica a revista, contra uma decisão da Justiça do Distrito Federal. Por ter atribuído ae Eduardo Jorge, em reportagens publicadas entre 2000 e 2002, desvios que permitiram enriquecimento ilícito, Veja foi condenada em 2005 a pagar R$ 150 mil em indenização, a publicar a sentença condenatória na edição impressa e a mantê-la disponível em seu site por três meses. Ao negar seguimento à Reclamação na semana passada, Britto manteve a condenação na íntegra, revogando liminar concedida por ele mesmo no ano passado. A decisão ainda não foi publicada.
Enquanto a revista discutia um incidente processual – os sócios da Abril é que teriam de ser intimados da decisão, e não somente seus advogados -, o STF julgou e liquidou a Lei 5.250/1967, que ditava limites para a imprensa. Foi o mote para a Reclamação no Supremo. A publicação alegou que a única norma que obrigava os veículos a estampar sentenças era a finada Lei de Imprensa, o que tornava a decisão anterior do Tribunal de Justiça do DF, na prática, uma desobediência ao que entenderam os ministros. A tese foi patrocinada pelo escritório Lourival J. Santos Advogados, e rendeu uma liminar favorável à revista em novembro. Carlos Britto, o relator, suspendeu a decisão de 2º grau.
A defesa de Eduardo Jorge recorreu. Disse que a revista tentava submeter ao Supremo uma decisão que não podia mais ser revista, por ter transitado em julgado. A advogada Ana Luisa Rabelo Pereira, do escritório Caldas Pereira Advogados e Consultores Associados, fez questão de deixar claro que o que ainda se discutia na Justiça era somente a questão da intimação pessoal dos condenados, já na fase de execução da sentença.
Para ela, a publicação da decisão é uma obrigação de fazer determinada pelo juiz, e não precisa estar expressa em qualquer lei. Além disso, diz a advogada, a ação jamais mencionou a Lei de Imprensa, fazendo menção somente à Constituição Federal e ao Código de Processo Civil, que prevêm responsabilização em caso de ofensa à imagem.
A mesma opinião teve a Procuradoria-Geral da República, que deu parecer favorável ao ex-secretário em março. “Nenhuma ofensa pode haver cometido a decisão reclamada aos termos do decidido por essa Corte Suprema na ADPF 130”, disse o procurador-geral Roberto Gurgel. “O único tema ainda objeto de discussão era o da necessidade ou não de intimação pessoal da reclamante para o cumprimento da obrigação, já assentada de modo definitivo, de publicar na revista impressa o conteúdo do julgado condenatório.”
Carlos Britto assinou em baixo o parecer da Procuradoria. Assim como Gurgel, ele também citou a súmula 734 do Supremo, segundo a qual “não cabe Reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”. “A pretensão do autor desta reclamação consiste em desobrigar-se do cumprimento de parte da sentença judicial transitada em julgado, proferida na ação de conhecimento”, disse o ministro.
Ele também concordou com o argumento de que a condenação de publicação não se baseou na Lei de Imprensa, mas sim “na Constituição Federal e no Código Civil”. Ele citou voto do ministro Aldir Passarinho, do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar ação semelhante que, entendeu que a obrigação de publicar a sentença é uma “conjugação da indenização com o esclarecimento público sobre a erronia e injustiça da matéria lesiva, uma reparação mais eficiente do dano causado”.
O advogado Alexandre Fidalgo, que defende a Abril, afirmou já ter sido informado da decisão do STF, embora ainda não tenha recebido qualquer comunicação oficial. Ele diz que ainda vai estudar a “melhor medida a tomar diante da situação”.