‘Vamos entregar uma Ferrari para Alckmin’, diz atual secretário da Fazenda de SP

Transcrito da Folha de São Paulo:

CATIA SEABRA / CLAUDIA ROLLI  DE SÃO PAULO

Mauro Ricardo Costa, 48 anos, deixa a Secretaria da Fazenda de São Paulo exaltando números positivos. Mas com lembranças bem negativas sobre a forma como foi dispensado pelo futuro governador, Geraldo Alckmin (PSDB).

“Fiquei sabendo pela Folha de S.Paulo. Depois recebi telefonema de Calabi [Andrea Calabi, que assume a pasta em 2011] e de Alckmin. Muitos outros [secretários dispensados no novo governo] nem isso tiveram.”

Sob seu comando, a arrecadação total do Estado deve chegar a dezembro com crescimento real de 35,15% em relação ao ano de 2006.

Com os resultados obtidos, Costa recorre à comparação do ex-governador Claudio Lembo. Mas inverte: “Lembo dizia que lhe prometeram uma Ferrari, mas recebeu um fusquinha [risos]. Vamos entregar uma Ferrari para o governador Geraldo Alckmin”.

A partir de janeiro, ele assume a Secretaria das Finanças da Prefeitura de São Paulo. A seguir leia os principais trechos de sua última entrevista no comando do fisco estadual concedida ontem à Folha.

Folha – Qual balanço o sr. faz de sua passagem pelo governo?

Mauro Ricardo Costa – Vamos encerrar 2010 com vitórias importantes nesses quatro anos. Conseguimos extrair leite de pedra. Em concessão de rodovias, levantamos R$ 5,5 bilhões, além de investimentos da ordem de R$ 8,6 bilhões. Do nada, criamos uma receita de R$ 2,084 bilhões proveniente da alienação do direito de exclusividade do pagamento de servidores estaduais. Fizemos com a Nossa Caixa. Depois, fizemos novamente a operação com o Banco do Brasil, o que rendeu ao Estado R$ 7,4 bilhões. Se juntarmos [BB] com a Nossa Caixa, só essas operações geraram R$ 9,480 bilhões.

O governador Geraldo Alckmin vai receber das mãos de Serra/Goldman um Estado com saúde financeira melhor do que ele entregou?

Muito melhor. Fizemos uma proposta orçamentária que envolve recursos da ordem de R$ 141 bilhões, com aproximadamente mais de R$ 20 bilhões. Algo muito bom para o início de governo. O governo Alckmin receberá o Estado com caixa de aproximadamente R$ 20 bilhões, entre recursos de Tesouro e das entidades aplicados no mercado financeiro, o suficiente para cumprir todos compromissos que não puderem ser pagos ainda no exercício de 2010. Vai receber um Estado em condições. Vai receber uma Ferrari.

Vocês não receberam o Estado assim. Claudio Lembo, ex-governador de São Paulo, dizia que havia problemas.

Lembo dizia que prometeram uma Ferrari, mas ele recebeu um fusquinha [risos]. O que estamos dizendo é que vamos entregar uma Ferrari para o governador Geraldo Alckmin.

Mas vocês receberam um fusquinha?

Recebemos o Estado da forma como o governo anterior pode entregar. Não tinha dívida. Mas a capacidade de investimento era bem menor do que a situação atual. Não recebemos o Estado com compromisso efetuados sem o correspondente recurso financeiro para o pagamento. Recebemos um Estado com a capacidade investimento muito menor do que estamos colocando à disposição. Mais do que isso. Deixaremos operações de créditos contratadas a serem desembolsadas no próximo governo no valor de R$ 10,5 bilhões. Conseguimos autorização para operação de crédito de R$ 15 bilhões. Desses, R$ 10,5 bilhões ficarão para o próximo governo. Além do caixa, além do nível de investimento, deixaremos receitas que ingressarão, além o nível de arrecadação bem superior ao que recebemos. Mas governo é assim: uma corrida de revezamento com obstáculos.

Qual é o desempenho do Estado em relação ao ano de 2006?

O orçamento geral [arrecadação total, que inclui a tributária e não-tributária] deve fechar o ano com crescimento real de 35,15%. Saímos de R$ 104 bilhões em 2006 para fechar o ano com R$ 141 bilhões, isso a valores de dezembro.

O sr. diria que a máquina de arrecadação do Estado, então, foi mais rápida do que a de execução de obras?

Foi muito maior [o ritmo de arrecadação]. Transporte sobre trilho, por exemplo, não ocorreu na velocidade que geramos recursos necessários. DER, Dersa, CDHU demoraram para deslanchar. Agora, começaram a deslanchar. A nossa capacidade de geração de recurso foi maior do que a de gasto do Estado.

O sr. compara a administração a uma corrida de revezamento com obstáculos. Quais são obstáculos do futuro governo?

Sabe onde conseguimos ultrapassar vários obstáculos também? Na área previdenciária. Os déficits somados chegavam a R$ 40 bilhões.

Ou seja, um fusquinha?

Um problema sério. Outro era a dívida dos precatórios, na ordem de R$ 20 bilhões (conta o desfecho dos problemas).

Houve tempo para concluir uma proposta previdenciária?

Sugerimos ao governador eleito que, se quisesse, encaminharíamos uma proposta a Alesp [Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo]. Mas ele não quis. Construímos uma proposta de previdência complementar. Os novos servidores entrariam no regime de previdência complementar da parcela salarial que ultrapassasse do limite do regime geral. A contribuição do Estado seria de 20% e do servidor de 11% sobre o total recebido.

Alckmin já deu sinais de que atuará para mudar os critérios de cálculo da dívida. Ele consultou o sr.?

Na minha opinião é preciso alterar o indexador, juros e o prazo. para que de fato seja quitada ao final do prazo. A dívida está indexada ao IGPD-I mais 6% ou 9%.

O ministro Guido Mantega rejeita alteração. Do jeito que está, será possível quitar as dívidas no fim do prazo?

Não. Em 2027, haverá um saldo devedor enorme. Essa dívida vai ser refinanciada por 10 anos, sem limite da receita. Vai ter Estado que vai comprometer 70%. Como é um problema para 2027, as pessoas acham que está longe para ser resolvido. Não está.

Existe essa disposição de fazer?

Na época em que conversávamos, sim. Mas não tenho mais conversado com o Alckmin.

O seu nome foi exposto durante a transição: vai ficar, não vai…O que achou disso?

Muito ruim ficar exposto no jornal dessa forma.

Então, o processo de transição do governo Alckmin foi deselegante com os atuais secretários?

Os secretários esperavam outra coisa. Ninguém achava que iria permanecer. Mas gostariam de ser comunicados logo no início se iriam ficar ou se seriam substituídos para poder organizar suas vidas profissionais. Precisa dar tempo para as pessoas se colocarem no mercado. Tive dois convites, mas tem muita gente que demora mais para se colocar. Existia uma expectativa diferente dos secretários em relação à comunicação. Esses secretários que estão aí trabalharam na campanha fortemente, ajudando Alckmin. Existia expectativa de que pudessem ser comunicados com bastante antecedência. Mas cada um tem estilo diferente.

Qual estilo diferente é esse? O governador Alckmin foi ingrato?

Estilo diferente da expectativa dos secretários, o que posso dizer é isso.

Quando se falaram pela última vez?

Na semana anterior ao comunicado que ele fez quando me pediu que pudesse articular junto ao governo federal para que uma operação de crédito pudesse ser aprovada pelo Senado na quarta-feira. Eu estava em Vitória. E na segunda-feira, eu soube pela Folha de S.Paulo que seria substituído. Posteriormente o Calabi me telefonou e depois o Alckmin me informou. Mas ele teve a delicadeza de me ligar e agradecer o trabalho desempenhado. Muitos outros nem isso tiveram.

O sr. deixa o Estado ressentido por conta disso?

Deixo o Estado com o sentimento de dever cumprido. Fizemos bastante. E com o sentimento de que há um reconhecimento grande pelo tudo que fizemos aqui, inclusive do Alckmin.

Algum receio de que uma administração reconhecidamente inventiva em matéria de arrecadação pare?

Uma coisa que não faço é casar com órgãos. Desde 1983, ocupo cargo em comissão, de gerência. Já andei por várias organizações. Nunca fui atrás. Às vezes fico triste de ver organizações por que passei destruídas, como é o caso da Funasa [Fundação Nacional de Saúde]. Não tenho receio disso. Quem tem que ter é quem entra e espera resultados da Secretaria de Fazenda. As coisas não são feitas para mim, mas para o Estado. Quem usufrui politicamente disso é o governante maior e quem usufrui dos benefícios é a população.

O sr. acha que vocês estão entregando para ele uma chance de grande vitrine?

Além desses recursos, ele tem várias obras em andamento para entregar. Janeiro, vai estar inaugurando obras.

Então, Serra acabou “vitaminando” Alckmin para a disputa de 2014?

O Serra ajudou o Alckmin. Chamou para a Secretaria de Desenvolvimento e prestigiou a atuação dele. Logo depois de assumir, ele anunciou todas as medidas anticíclicas adotadas pelo Estado. Preparamos as medidas, ele foi anunciado secretário e o Serra pediu para que ele fizesse a apresentação de todas as medidas. Fiquei com ele repassando tudo e ele fez uma bela exposição.

Daqui para frente, Alckmin vai herdar um patrimônio até para a disputa interna do PSDB.

Todos os recursos vão vitaminá-lo politicamente. Onde ele quer chegar, só ele vai poder dizer.

Nesse momento há uma discussão no país sobre o ajuste fiscal que o governo federal prepara para 2011. Como deverá será feito, com aumento de carga tributária ou corte de gastos? E como SP fez esse ajuste?

O governo federal terá de fazer esforço grande. Terá de reduzir investimento, custeio da máquina, terá de reduzir programas. O governo federal tem feito as duas coisas. No Estado de São Paulo, temos feito apenas redução de gastos e combate à sonegação. No governo federal, o pensamento é diferente. Eles aumentam a alíquota de tributos que possam gerar receitas importantes para cobrir despesas.

Em sua avaliação, esse é o maior desafio para o governo Dilma?

O maior desafio é a questão do câmbio. Hoje está inadequado e desestimula as exportações. Torna os produtos brasileiros os mais caros do mundo e os produtos estrangeiros os mais baratos do mundo. Estamos ampliando as importações significativamente e diminuindo a competitividade dos produtos feitos aqui no Brasil. Resolver essa questão da sobrevalorização do real não é fácil. Isso terá de ser feito via ajuste fiscal, via redução da taxa de juros, que são medidas difíceis de serem tomadas. Mas isso é consequência de desordem do passado, que tem de ser corrigida em determinado momento. O momento político mais adequado para isso seria em início de mandato. Gastar o cacife adquirido no processo eleitoral nos ajustes necessários porque isso tem custo político grande. A expectativa é que governo federal faça isso. Se houver descontrole e aumento da inflação, será catastrófico para todos, inclusive para o governo federal.

E os seus planos para secretaria municipal de Finanças?

Vamos levar para lá a nossa capacidade de criação e de geração de receita para ampliar significativamente a disponibilidade de recursos para aplicar na cidade. Já fizemos isso. Quando chegamos lá a prefeitura tinha orçamento de R$ 13 bilhões, hoje tem orçamento de R$ 35 bilhões. É algo significativo e muito se deve as ações que provemos lá na Prefeitura.