O arquiteto e urbanista Roberto Moita aponta caminhos para a construção de uma agenda urbana positiva para Manaus, com conhecimento e carinho de um cearense que vive em Manaus há 23 anos
Manaus, 28 de Fevereiro de 2011
AUDREY BEZERRA
Diante da necessidade de se discutir o Plano Diretor de Manaus, que está há oito anos sem ser revisto, o arquiteto e urbanista Roberto Moita, ex-presidente do Instituto de Arquitetura do Brasil (IAB-AM), disse em entrevista que, apesar da cidade ter uma grande demanda nas questões básicas, como ampliação do sistema viário, implantação de sistema de transporte público, e esgotamento e tratamento de esgotos para atingir padrões mínimos de urbanidade, é preciso enfrentar a “galopante degradação” do Centro Histórico de Manaus, uma vez que as possíveis perdas podem ser irreversíveis. Roberto criou junto com amigos um grupo denominado “Manaus, Debates Necessários”, c om o objetivo de promover diálogos sobre a cidade no Facebook.
Na entrevista, ele defende mais rigor do Poder Público na ocupação desordenada de terras e diz que o maior problema urbanístico da cidade se situa na informalidade de obras sem projetos e sem licenças.
Você acredita que a atual composição da Câmara Municipal de Manaus (CMM) tem quadro qualificado para discutir e aprovar o Plano Diretor da cidade?
São nossos representantes legitimamente eleitos e por ser uma matéria técnica eles devem certamente contar com assessoria especializada para balizar os debates, propostas e decisões.
Por que a revisão do plano diretor é tão importante para a cidade?
O Plano Diretor é matéria técnico-legal que regula a forma com que a Cidade deve se desenvolver e por isso interessa à cidade como um todo.
Esse planejamento pode ser cumprido mesmo em uma cidade estruturalmente desorganizada e com o histórico de um poder público enfraquecido, que não cobra, não cumpre e nem fiscaliza?
O Pacto de legalidade em relação a leis urbanas deve ser amplo e incluir todos os cidadãos, seja o grande empresariado, seja o morador de baixa renda ou de área de risco. Nosso Plano Diretor atual, criado em 2002 pela Prefeitura de Manaus, tem sido o instrumento regulador de obras na cidade e cumpre razoavelmente bem seu papel. O maior problema se situa na informalidade de obras sem projetos e sem licenças. Nossa sociedade ainda acha que os mais pobres podem pautar sua vida pela informalidade, seja construído como quer e onde quer, seja exercendo atividades comerciais que invadem ruas e calçadas etc. De outro lado o Poder Público fica refém desta ótica e passa a exercer a fiscalização de forma tolerante e às vezes omissa para com as irregularidades. Defendo, no nosso caso, uma atitude tipo “tolerância zero” em relação a irregularidades de qualquer natureza, talvez assim possamos ir arrumando a casa aos poucos. Se os Governos quiserem ser mais rígidos devemos lembrar que eles precisam que a sociedade clame por isso, pois do contrário essas ações geram ônus políticos-eleitorais indesejáveis.
O que você considera necessário modificar no plano diretor da cidade? O que precisa ser modificado de imediato?
O Plano deve ser objeto de ajustes baseados na gestão urbana, aproveitando a experiência dos técnicos da Prefeitura, em especial do Implurb (Instituto Municipal de Planejamento Urbano), para modificar pequenos pontos da legislação que se encontram obscuros ou omissos, aperfeiçoar os instrumentos de incentivo ao adensamento e à contenção da expansão horizontal mas, principalmente, buscar um desenvolvimento urbano sustentável, levando em conta os planos viários de transporte público e de proteção do meio ambiente.
O que falta ser feito na cidade?
Manaus é uma Cidade que tem grande demanda por uma infraestrutura básica para atingir padrões mínimos de urbanidade: ampliação do sistema viário que é insuficiente; implantação de sistema de transporte público de qualidade; e implantação de redes públicas de esgotamento e tratamento de esgotos. Isso seria o básico, mas enfrentar a galopante degradação do nosso Centro Histórico me parece urgente, pois esse processo é irreversível, as perdas não terão retorno no futuro.
Que tipo de iniciativa, do Poder Público, você considera necessário para a cidade?
Manaus, nas três últimas décadas, acumulou grandes carências que se converteram hoje em desafios. E isso torna nossa agenda urbana muito complexa. Mas acho que se pudessem eleger prioridades, ficaria com a recuperação do Centro Histórico e a questão do Transporte Público e Sistema Viário.
De que forma a participação da sociedade nesse contexto pode contribuir para a organização e planejamento da cidade?
Precisamos construir uma agenda positiva para Manaus, que reflita um consenso entre os governos e a sociedade. Caberá à sociedade em geral, especialmente, aos formadores de opinião e à imprensa, alinhar-se e apoiar o Poder Público, pois sabemos que será necessário a tomada de medidas que possam ser impopulares, por exemplo, em relação à invasão de terras e áreas de proteção ambiental, ao comércio informal, à educação e leis trânsito. Um programa como o “tolerância zero”, que exige forte apoio dos que querem avanços na organização urbana, criando o ambiente para que os governos exerçam o poder de polícia e o cumprimento das leis em vigor. Penso que cada cidadão de Manaus pode e deve fazer sua parte.
Como seria essa agenda positiva para Manaus?
Um processo coletivo de reflexão e debate de ideias que produza um enfoque em relação às ações básicas necessárias para nossa Cidade. Para isso devemos fazer uma leitura social do momento em que vivemos, aprofundando o conhecimento de nossos problemas e avaliando suas possíveis soluções. Eu e alguns amigos do Facebook criamos um grupo denominado “Manaus, Debates Necessários” que tem como objetivo promover diálogos sobre essa agenda positiva. Esse fórum cívico-virtual, com mais de 170 membros neste momento, tem apresentado resultados interessantes e após duas semanas de postagens já começam a se desenhar alguns consensos em relação aos caminhos possíveis. Da mesma forma toda a sociedade organizada, universidades, entidades de classe podem atuar produzindo referenciais nesta direção.
Qual é o retrato que você tem da cidade hoje sob o ponto de vista urbanístico?
Uma cidade única no meio da maior floresta tropical do planeta que deve aos seus e ao mundo um exemplo de futuro sustentável.
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