Na história da tributação brasileira, poucas vezes ocorreu uma combinação tão insólita de medidas como as que foram adotadas no final do ano passado.
No dia 30 de dezembro, foi editado decreto reduzindo à metade as alíquotas do PIS e da Cofins incidentes sobre receitas financeiras. Não vislumbro justificativa para isso, porém o que causa perplexidade é que a medida iria impactar as receitas do governo que tomaria posse em 1º de janeiro. O decreto foi revogado pelo novo governo no dia da posse.
Houve, é claro, uma mitigação dos danos, mas, em virtude da anterioridade nonagesimal, o restabelecimento das alíquotas só produzirá efeitos a partir de abril.
A exemplo das Forças Armadas e Polícia Federal, em 2001, foram criadas adidâncias tributário-aduaneiras nos Estados Unidos e nos países do Mercosul, visando a cooperação institucional com os órgãos homólogos. A experiência foi bem-sucedida.
No final de ano, foram criadas adidâncias em Bruxelas, Paris e Dubai. Além de ser uma medida extemporânea, o espantoso é que os adidos designados foram justamente os titulares dos cargos de alto escalão da administração que saía. Inoportuno e indecoroso.
O novo governo reagiu, entretanto, de forma desproporcional àquela ignomínia. Em lugar de eliminá-la, extinguiu todas as adidâncias tributário-aduaneiras, o que configura medida punitiva à Receita Federal, reforçando a percepção de um contínuo processo de sucateamento do órgão.
Por fim, foi editada Medida Provisória (MP) estabelecendo novas regras para preços de transferências, o mais controverso e complexo tema na tributação da renda.
O modelo brasileiro é o mais simples do mundo, ainda que demande muitos aperfeiçoamentos. Optou-se substitui-lo pelo da OCDE, instituição que tem uma especial predileção por modelos tributários complexos e com elevado grau de subjetividade.
As regras vigentes são disciplinadas em 6 artigos, as propostas se desdobram em 40, o que reforçará as queixas quanto à complexidade do nosso sistema tributário.
O maior absurdo, todavia, é que o modelo somente entrará em vigor em 2024, recorrendo-se, contudo, a uma MP, que se sujeita ao requisito constitucional da urgência. Qual é a urgência?
Para tentar contornar a inconstitucionalidade, admitiu-se que empresas poderiam antecipar para 2023 a adoção das novas regras, embora não conheçam seu disciplinamento infralegal. É claro que só farão a antecipação se lograrem ganho, em prejuízo da arrecadação. E se a MP não prosperar, como ficaria a opção? Quanta lambança!