Tomo emprestado conceito desenvolvido pelo filósofo Hans Jonas (1903-1993) para, em meio às enormes incertezas que pairam sobre a humanidade em vista da pandemia, seguir explorando caminhos para enfrentar problemas que se acumulam.
Infelizmente, esse imperativo de responsabilidade, no Brasil, é embaraçado por um ambiente estigmatizado por múltiplas torpezas.
É certo que esse ambiente não é de origem recente. Ao contrário, há muito a corrupção e a violência criaram raízes profundas em nossa sociedade, projetando-se sobre o Estado. Erradicá-las de nosso convívio é missão que requer muita energia política, o que não se vislumbra em horizonte próximo.
Mais grave é que a corrupção e a violência se inscrevem em um contexto marcado por difamações recíprocas, tagarelice perniciosa, linguagem chula, intolerância abjeta até mesmo contra a intolerância, sobrevalorização de questiúnculas, “militância” política de financiamento escuso, vilanias veiculadas nas redes sociais.
Perdemos a amabilidade, reconhecido traço cultural brasileiro. Exilamos a moderação, a discrição e o autocontrole, que os gregos identificavam na figura mítica de Sofrósine (Sobriedade, para os latinos).
Essas dificuldades não podem, entretanto, converter-se em óbice intransponível, mas desafio a ser enfrentado, que deve animar os que assumem a responsabilidade de refletir e propor.
É alentador ver prosperarem proposições, que, sem pretensões megalomaníacas ou salvacionistas, ferem, de forma pragmática e consistente, temas de interesse público.
No campo tributário, regozijo-me com a apresentação do projeto de lei nº 3.566 de 2020, na Câmara dos Deputados, que dá concretude à proposta de moratória tributária, que suscitei em artigo (“Moratória”), veiculado no Jota, em 24 de março passado.
A proposta é focalizada nos optantes do Simples, inclusive os microempreendedores individuais, e abrange todos os tributos devidos entre 1º de abril e 30 de setembro deste ano, nos termos do art. 152, inciso I, b, do Código Tributário Nacional (CTN).
O montante devido poderá ser parcelado e, subsequentemente, liquidado mediante pagamento correspondente a 0,3% do faturamento mensal, o que propicia um permanente ajustamento ao fluxo de caixa do contribuinte. Aos microempreendedores individuais, será facultado liquidar o débito em 60 parcelas mensais e iguais.
Essa iniciativa parlamentar revela discernimento em relação à crise vivida pelas micro e pequenas empresas e interpreta corretamente o tratamento tributário que para elas prescreve a Constituição. Contrapõe-se, também, àqueles que, desarrazoadamente, condenam o Simples, no pressuposto de que se trata de renúncia fiscal, sem considerar que o regime decorre de mandamento constitucional e que, se fosse extinto, nenhuma receita existiria, porque esses contribuintes se encaminhariam para a informalidade, gerando por consequência um genocídio tributário.
São alentadoras, também, as reflexões consistentes dos juristas Hamilton Dias de Souza e Gustavo Brigagão que, se convertidas em projetos, darão adequado disciplinamento tributário, respectivamente, aos trusts no Exterior e à exportação de serviços.
Além disso, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.446, o voto da Ministra Relatora Cármen Lúcia admitiu a constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN. Pondera, contudo, que a norma, para lograr eficácia plena, demanda fixação, em lei, de procedimentos, que até hoje inexistem.
A prevalecer o entendimento da Relatora, já acompanhado por quatro outros ministros, serão grandes as repercussões, inclusive em relação a julgamentos já realizados na esfera administrativa. Daí se impõe, como se buscou sem êxito na Medida Provisória nº 66 de 2002, instituir, por lei, os referidos procedimentos, adotando-se, em relação às situações pretéritas, a transação prevista no art. 171 do CTN. Tal medida, ao resolver e prevenir litígios, seria, afinal, proveitosa tanto para o fisco, quanto para o contribuinte.