Kristalina Georgieva, diretora-geral do FMI, no blog da instituição (20.04.20), qualificou, com precisão, a pandemia da Covid-19, como uma “crise como nenhuma outra”, porque mais complexa, mais incerta e verdadeiramente global.
Abundam previsões, com base frequentemente em pífias e macabras estatísticas, sobre os desdobramentos da pandemia e suas consequências econômicas e sociais.
Todas elas são, entretanto, meras aproximações da realidade – provavelmente distantes -, porque sobre o vírus, como se disse a respeito da China, não há um verdadeiro conhecimento, mas graus variáveis de ignorância. Por igual razão, são precárias as especulações sobre suas consequências sociais e econômicas.
Caminhamos no domínio da incerteza, em que fica evidente a impossibilidade de estimativa e cálculo, como conceituava o economista americano Frank Knight (1885-1972).
A despeito disso, ouso, com consciente risco de errar, explorar questões associadas à crise da pandemia.
Em artigo anterior (“Generosidade e responsabilidade em tempos de catástrofe”, 02.04.20), atribui a crise ao descaso internacional com a segurança planetária, com destaque para a prevenção de pandemias e catástrofes naturais, a atenção com o meio-ambiente, a correção das desigualdades entre pessoas e entre países, e o enfrentamento do crime transnacional e do planejamento tributário abusivo.
A esse descaso, acrescenta-se uma crescente abdicação do multilateralismo e esvaziamento das instituições multilaterais, em direção oposta à intensa globalização dos negócios.
Construíram-se, igualmente, elegantes formulações teóricas, não necessariamente verdadeiras, a deificar a eficiência e a competição, em desfavor da equidade e da colaboração, promovendo tendências hegemônicas de países e empresas, nos âmbitos comercial e bélico.
É evidente que eficiência e competição são motores do progresso. Sem limites, contudo, se convertem em práticas predatórias, que findam se voltando contra elas próprias.
A partir de agora há dois caminhos: manutenção do atual modelo, com ligeiras correções, ou a procura de um novo equilíbrio, em que sejam consideradas a equidade e a colaboração.
Como bem assinalou, em meio à crise, um grafitti no metrô de Hong Kong: “não podemos voltar ao normal, porque o que era normal era exatamente o problema”.
O curso da história, ainda que indeterminado, é seriamente influenciado por catástrofes e pela intervenção de líderes políticos.
A pandemia, para além de sua gravidade intrínseca, irá promover uma disrupção na história da humanidade, com inevitáveis repercussões no financiamento do setor público, hábitos e padrões de consumo e poupança, atividades turísticas, aeroviárias e desportivas, processos digitais, mobilidade urbana, ordenamento do território, cobertura do seguro social, formas de trabalho, efetividade da saúde pública, ensino à distância, etc.
As repercussões não serão homogêneas, porém serão universais e, talvez, impliquem a construção de um estado de bem-estar social 4.0.
Infelizmente, no mundo de hoje, a safra de líderes políticos, com raras exceções, é formada por populistas e autoritários delirantes e sem escrúpulos.
Por sua importância no cenário internacional, nunca as próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos foram tão importantes para a humanidade. Se nada mudar naquele país, receio que ocorrerão outras catástrofes.
E o Brasil? Triste trópico. Não bastassem a crise sanitária, enfrentada heroicamente pela nossa precária saúde pública, as imprevisíveis consequências sobre a saúde mental dos que estão submetidos ao isolamento social, a crise fiscal que se abate sobretudo sobre os entes subnacionais, o desemprego e as paralisações da atividade econômica, conseguimos acrescentar, por mais absurdo que seja, uma crise político-institucional, que nada mais é do que fruto de doença política, decorrente de uma combinação de corrupção sistêmica, degradação da representação popular e microrrupturas institucionais. Que os céus nos protejam!