A gente não sabe se chora ou se ri com as declarações ameaçadoras feitas por dois generais octogenários que hoje, na reserva, vestem pijama e usam dentadura, mas já pertenceram ao alto escalão da ditadura militar brasileira (1964-1985), quando tinham dentes bem afiados. A velhice arrancou-lhes os dentes do siso, mas conservou-lhes a vontade de morder. Entrevistados recentemente pelo jornalista Geneton Moraes para a Globo News, eles desembainharam a espada e feriram de morte a memória nacional.
Um deles, o general Leônidas Pires Gonçalves, 89 anos, foi chefe do DOI-CODI do Rio de Janeiro, comandante militar da Amazônia e ministro do Exército do Governo Sarney. O outro, o general Newton Cruz, 85 anos, chefiou o SNI – Serviço Nacional de Informações, e comandou a repressão às manifestações realizadas em Brasília na época do movimento ‘Diretas Já’.
Com o dedão de proctologista sempre em riste, o general Leônidas nos ofereceu essa pérola:
“Não tivemos exilados no Brasil. Tivemos fugitivos. A palavra ‘exilado’ não serve para eles. Exilado é alguém que recebe um documento do governo exigindo que se afaste. Tal documento nunca houve. A minha sugestão é: fugitivos
O general alega que ninguém foi obrigado a sair do país, e a prova disso é que não existe qualquer papel com o carimbo: “Vai-te embora”, assinado: “Ditadura”, com firma reconhecida. Então, quem saiu, o fez por livre e espontânea vontade. Ele insinua que quem saiu é covarde e fujão, ao contrário dele, que é macho pacas. Dessa forma, o general, que nunca cantarolou ‘o bêbado e o equilibrista’, debochou do ‘choro das Marias e Clarisses’ e de ‘tanta gente que partiu num rabo de foguete’.
Exilado ou fujão?
A bravata do general coloca duas questões: uma de forma e outra de conteúdo. Formalista, o ex-chefe do Doi-Codi confunde cinto com bunda e cipó com jerimum. Para ele, todo bebê não registrado em Cartório é non nato. É isso aí: não nascido. A criança pode chorar e berrar, mamar, molhar as fraldas: não nasceu. As lágrimas e os berros não constituem prova cabal de sua existência. A única prova aceitável é uma certidão afirmando que ela existe. Da mesma forma que, sem papel, exilados não existem, só fugitivos.
Enquanto o general, dedão em riste, nos chamava de fujões, eu ouvia a voz bêbada da cantora Vanusa entoando: “verás que um filho teu não foge à lu-uta!”. Acontece – e aqui vem a segunda questão – que quem foge, foge de alguém ou de alguma coisa. Nós, exilados, fugimos de quê?
Da repressão e da tortura? Ora, o Diário Oficial não publicou portaria nomeando torturadores, portanto eles não existiram. Houve apenas ‘pequenos excessos’, como justifica o general Leônidas:
– “Guerra é guerra. Guerra não tem nada de bonito – só a vitória. E nós tivemos. A vitória foi nossa. As torturas lamentavelmente aconteceram, mas para ser uma mancha ela foi aumentada. Hoje todo mundo diz que foi torturado pra receber a bolsa-ditadura”.
O general Leônidas, fanfarrão que não sabe nem ganhar porque tripudia sobre os vencidos, coloca em dúvida até o assassinato na prisão do jornalista Wladimir Herzog:
– “Eu não tenho convicção que Herzog tenha sido morto. Porque sei o que é uma pessoa assustada e não preparada (…). Nitidamente, Herzog não era preparado para isso. Às vezes, estive pensando, um homem não preparado e assustado faz qualquer coisa, até se mata. Até se mata”.
Deixando de lado esse insulto à memória – um escárnio – cabe perguntar: quem matou dona Lyda Monteiro, secretária da OAB, vítima dos atentados à bomba contra alvos civis que aterrorizaram o Rio de Janeiro em 1980-1981? Na época, o governo militar culpou os radicais de esquerda, negando aquilo que logo ficou provado e hoje o general Newton Cruz confessa: militares radicais da ativa promoveram atentados para impedir o processo de abertura política em andamento.
O ataque frustrado ao Riocentro – Deus castiga! – matou um dos terroristas, quando uma das bombas explodiu no colo do sargento Guilherme, dentro do carro do capitão Wilson Machado. Com os olhos esbugalhados durante toda a entrevista, Newton Cruz confessou que tinha prévio conhecimento de que alguns militares preparavam o atentado e – esse é um dado novo – que ele próprio transmitiu ao seu superior general Octávio Medeiros. O entrevistado contou ainda que ele, por conta própria, impediu novo atentado que havia sido preparado por militares do Doi-Codi do Rio.
Tortura e anistia
Um terceiro militar, não entrevistado, mostrou o lado íntegro das Forças Armadas. Trata-se do major brigadeiro Rui Moreira Lima, 91 anos, piloto de combate da esquadrilha verde da Força Aérea Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial, quando executou 94 missões. Ele é um dos três heróis brasileiros da guerra que combateu o nazi-fascismo. Nesta segunda-feira (12/04), o nonagenário general protocolou no STF um pedido para que a lei de Anistia não beneficie os crimes de tortura.
Na petição assinada, o brigadeiro Lima, que também preside a Associação Democrática e Nacionalista de Militares (ADNAM), diz com extrema lucidez: “a anistia não pode significar que atos de terror cometidos pelo Estado através de seus agentes e que ensejaram verdadeiros crimes contra a humanidade não possam ser revistos”.
Nas próximas semanas, o STF decidirá sobre essa questão. De qualquer forma, o brigadeiro mostrou, corajosamente, qual é o discurso que representa a Pátria Mãe Gentil, protetora, que nos faz sentir filhos deste solo. Esse sim é um herói que continua honrando a farda que veste. Fez com o discurso aquilo que já havia feito com os aviões de caça: lutar pela liberdade.
A Lei de Anistia aprovada há trinta anos pelo Congresso Nacional concede o perdão a quem cometeu crimes políticos entre 1961 e 1979. O que é um crime político? O STF já decidiu que crimes políticos são os delitos praticados contra a ordem estabelecida com finalidade ideológica. Ou seja, os militares que pegaram em armas e deram um golpe em 1964 estão anistiados, bem como os militantes de esquerda que combateram a ditadura com armas na mão. No entanto, os delitos praticados pelos torturadores nos porões da ditadura não se enquadram nessa situação.
Não se trata de buscar vingança ou revanche, como sinaliza o jurista Dalmo Dallari, mas de dizer claramente que o Brasil é contra o crime hediondo da tortura. A identificação e julgamento dos torturadores é uma demonstração de que historicamente “a sociedade brasileira jamais compactuou com as práticas de um regime que limitou criminosamente a oposição e a liberdade de expressão, mesmo que tais práticas não possam mais ser punidas pela prescrição”.
P.S. Se o general Leônidas conhece algum espertalhão sem escrúpulo que se aproveitou da chamada bolsa-ditadura tem o dever de denunciá-lo, prestando um serviço à memória da nação. Aliás, a apuração dos crimes de tortura colocaria isso em pratos limpos. De qualquer forma, esse suposto fato não apaga o crime dos torturadores que pagos pelo contribuinte atuavam fora da legalidade da própria ditadura. Só para não pensar que estou legislando em causa própria, aproveito para informar que embora tenha legalmente direito, não requeri o que o general está chamando de “bolsa ditadura”.
Tenho certeza que essa epóca sombria nunca mais voltará… Pois, hoje com a globalização e o mundo de informações que vivemos é impossivel os militares tentarem alguma coisa, não dá…Agora, bem que eles poderiam combater o tráfico de drogas, ah, isso eles poderiam, principalmente na area de fronteiras nesse Brasil afora e acabaria também com essa ociosidade nos quarteis, em vez de ficarem fazendo “ordem unida” ficariam na fronteira…
Não fui da geração que viu a Ditadura, mas valeu a pena ler o artigo.
Como de costume, a coluna “Taquiprati” mais uma vez incentiva os cidadãos a terem mais consciência política. Depois de tanto tempo da queda da Ditadura, não entendo por que as forças armadas ainda tem poder de impedir que sejam abertos os arquivos secretos referentes àquela época tenebrosa, que mancha de vergonha a história do Brasil, pois já vivemos novamente em democracia.
O povo brasileiro e especialmente os torturados e desaparecidos, bem como as famílias destes, tem o direito de saber a verdade. Esses generais caem no ridículo ao tentar atenuar o monstro que foi a Ditadura Militar. Quem não deve não teme!
Sr.Daniel em 64 os Generais tiveram o apoio do povo, pois sem apoio do povo não tem revolução a não ser que por traz dos revolucionários tenham uma Nação com um forte Exército para subjugar esse povo(Europa Oriental e Albânia com muito sangue), sera que os perseguidos não queriam uma revolução comunista?
Sr.João, não houve apoio do povo; não houve revolução; houve golpe de estado. Os militares patrocinados pelos EUA depuseram na força um governo legítimo, eleito pelo povo.
a questao da nao abertura dos arquivos é simples: muita gente da elite e dos meios de comunicacao envolvidos nesta tramonha contra o brasil. avelha elite de olhos azuis acobertada pela globo, folha de sao paulo e estadao!!! serafim nao vai publicar isso com medo da midia!!!
Vi as entrevistas e a sensão q tive foi a mesma. Não sabia se chorava ou ria…hehehehe. Ou melhor, confesso q fiquei com a segunda opção.
Da mesma maneira que não se pode aceitar que o Vaticano encubra os casos de pedofilia praticado por alguns de seus sacerdotes, não se pode aceitar que as forças armadas continuem a encobrir os atos dos “sacerdotes” do governo militar daquela época. Que o digam os relatos dos sobreviventes que apresentam clareza de detalhes das crueldades sofridas nas mãos daqueles que presumiam prestar serviço à civilidade da nação. Negar que eles foram torturados e que a democracia foi ferida quase de morte é o mesmo que Armadinejad querendo negar Auschiwitz e o Holocausto. Vamos estudar história!!
Gostaria de ver toda a arrogacia apresentada pelos “generais”, se a justica brasileira agisse como age a dos nossos vizinhos sul americanos. O Uruguai e Argentina puniram recentemente generais acusados pelos mesmos crimes. Lamentavel o Senhor Cruz, principalmente…