Publicado em 03/01/2019
Na Assembleia Constituinte de 1988, defendeu-se a inclusão dos impostos únicos federais incidentes sobre lubrificantes e combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e minerais na base do então existente ICM, argumentando-se tratar de exigência da moderna tributação do IVA.
Essa tese se fez acompanhar de proposta para eliminação da uniformidade da alíquota do ICM, prevista na Constituição anterior, a pretexto de conferir ampla liberdade aos Estados na fixação das alíquotas do imposto.
Os que se contrapunham àquelas teses, tidas como modernas e racionais, assinalavam, prudentemente, que essa combinação iria promover uma concentração da arrecadação nas bases dos impostos únicos federais e que, mantida a redução de base de cálculo, haveria uma inevitável tendência à instituição de uma miríade de alíquotas efetivas.
O entusiasmo teórico venceu a prudência. As “inovações”, como previsto, produziram um caótico número de alíquotas efetivas e uma impressionante concentração na arrecadação do ICMS (as bases imponíveis dos extintos impostos únicos representaram, em 2017, 48% da arrecadação nacional desse ICMS).
Na reforma tributária de 1965, a despeito de suas inúmeras virtudes, foram cometidos erros, cuja relevância era pouco perceptível à época.
O ICM (hoje ICMS) jamais deveria ter sido incluído na competência dos Estados, em virtude dos problemas associados à tributação das operações interestaduais.
A instituição do ISS, na competência tributária dos Municípios, resulta hoje em virtual conflito com o ICMS, pela dificuldade, senão impossibilidade em muitos casos, em proceder-se à distinção entre serviço e mercadoria.
Tais equívocos, ao fim e ao cabo, passaram a integrar o desenho do federalismo fiscal brasileiro, que desfruta de especial proteção constitucional.
Enfrentá-los não autoriza, portanto, desconsiderar, por arrogância ou ingenuidade, a realidade política e constitucional das competências tributárias.
Uma boa solução requer muita criatividade e habilidade, o que não é o caso do IVA nacional.
Convém, na matéria tributária, acolher ensinamentos da economia comportamental, que distinguiu Daniel Kahneman (2002) e Richard Thaller (2017) com o Prêmio Nobel da Economia.
Esse novo enfoque valoriza emoções e hábitos nas decisões econômicas das pessoas, na presunção de que nelas há muita incerteza e alguma irracionalidade que escapa à ditadura do “suponhamos que” e às prescrições fundamentalistas de modelos.
O IVA prescreve, em nome da transparência, a tributação destacada do valor do preço (incidência por fora). O ICMS, ao contrário, inclui o imposto no próprio preço (incidência por dentro).
No Brasil, a tradição da tributação do consumo é a incidência por dentro, que é obviamente mais simples. Não parece, todavia, razoável abdicar-se da simplicidade, em nome da transparência, sem que haja redução de preços.
A incidência por dentro é análoga à nossa tradição de pagamento de gorjetas em restaurantes.
Brasileiros, no Exterior, se sentem incomodados quando, ao indagarem o preço de uma diária de hotel, constatam que a informação não incluía o valor do imposto. De igual modo, ao solicitarem a conta em um restaurante, ficam desconfortáveis com a informação de que a gorjeta não fora incluída, como ocorre no Brasil.
Transparência não é um valor absoluto. Deve ser cotejada com outros valores.
Nos exemplos assinalados, o que se ganha em transparência se perde em praticidade, o que, ao menos para a grande maioria dos brasileiros, não constitui uma boa troca.
Na França, uma explicação para os desastres das políticas tributárias de François Hollande, em 2013, e agora de Emmanuel Macron foi não tomar em conta a reação dos contribuintes.
Formular minuciosamente os problemas, exercitar a criatividade para solucioná-los, sem a inviável pretensão de encontrar uma solução mágica capaz de tudo resolver, e sopesar os custos políticos e os riscos jurídicos e econômicos será sempre um bom caminho. É a opção pela prudência e pragmatismo.