Volta à discussão a tributação dos dividendos, estimulada por uma mixórdia de argumentos favoráveis. Neste artigo abordo alguns deles, lembrando desde logo que tributação é terreno propício para mistificações e preconceitos.
Quem paga impostos são pessoas físicas, na condição de contribuintes ora de fato, ora de direito: indiretamente, por meio dos preços, ou diretamente, mediante tributação do patrimônio, da atividade laboral ou dos investimentos no mercado financeiro ou nas empresas.
As pessoas jurídicas apenas recolhem impostos, que afinal repercutem direta ou indiretamente nas pessoas físicas.
Em cada incidência, deve-se considerar o ciclo impositivo completo. O IRPF, por exemplo, é a soma do que foi recolhido na fonte e na declaração de ajustes. De igual forma, a tributação do imposto de renda do sócio é consiste na soma entre a tributação do lucro na empresa e na distribuição.
A tributação do sócio admite três formas de extração: exclusivamente no lucro das empresas ou na distribuição dos dividendos, ou em ambas as hipóteses. A opção por uma delas decorrer de uma escolha técnica.
A tributação exclusiva nos dividendos é uma hipótese muito peculiar, adotada por pequenos países (Estônia, Letônia, Geórgia).
A maioria dos países tributa o lucro e o dividendo. O Brasil, Cingapura e mais duas dezenas de países tributam exclusivamente o lucro.
Não há a menor dúvida que a tributação apenas no lucro é de melhor qualidade pelas seguintes razões: previne perigosos cupins tributários, como a distribuição disfarçada dos lucros, modalidade de sonegação muito comum e de dificílimo enfrentamento, e ardilosos planejamentos tributários abusivos; não restringe a liberdade do investidor, que pode optar por reinvestir na empresa, investir em outra empresa ou no mercado financeiro, ou até mesmo consumir; é mais simples, porque equivale a uma espécie de tributação na fonte.
Se é melhor, por que os países da OCDE não adotam o modelo brasileiro? Ora, porque foi implantado em um país periférico, que na percepção deles é povoado por nativos incapazes de produzir algo interessante.
A adoção da tributação de dividendos no Brasil resultaria, é claro, em maior, menor ou igual tributação para o sócio: se maior, trata-se apenas de uma forma dissimulada de aumentar a carga tributária; se menor, ofende a Lei de Responsabilidade Fiscal e o bom senso em tempos de crise fiscal; se igual, constitui uma esdrúxula opção pelo pior, afora implicar escandalosa alíquota de equilíbrio, como demonstraram Elisabeth Libertuci e Ricardo Lacaz Martins (“Reduzir IRPJ e tributar dividendos: uma equação impossível”, Estadão, 28.02.2019), sem falar também que, em virtude da impossibilidade de tributar os dividendos decorrentes de investimentos de entidades imunes em empresas lucrativas, seria necessário um aumento compensatório na tributação dos demais contribuintes.
Ademais, se houvesse o nivelamento do IRPJ e da CSLL em um mesmo patamar resta evidente que os grandes beneficiários seriam as instituições financeiras, que hoje são mais oneradas por aqueles tributos que os demais contribuintes.
A isenção na distribuição de dividendos remonta a 1995 e se fez acompanhar de uma ampla reforma no IRPJ, com extinção da dedutibilidade da correção monetária do patrimônio líquido, redução de alíquotas, instituição dos juros remuneratórios do capital próprio e dos preços de transferência, etc.
Em consequência dessa reforma, entre 1996 e 2002 a arrecadação do IRPJ cresceu 116,7%, em termos reais, e sua participação no PIB aumentou de 1,51% para 2,26%. Nada mal, especialmente quando se considera que a reforma foi bem aceita pelos contribuintes.
Em lugar de copiar e abdicar de pensar, parece mais razoável perquirir a tributação do futuro, como recomendam Martin Wolf, editor chefe do Financial Times (“É preciso rever o sistema tributário”, Valor, 08.03.2019) e Christine Lagarde, diretora-geral do FMI (“Corporate taxation in the global economy”, IMFBlog, 25.03.2019).