O homem público que hoje no Brasil tenha compromisso em fazer com que as coisas aconteçam corre o sério risco de no momento seguinte vir a ser vítima de uma Ação de Improbidade e de repente ver seu nome nas manchetes dos jornais como se tivesse feito alguma coisa errada.
Depois, no segundo momento, até é feita a Justiça, mas, quase como regra, não se dá o mesmo destaque da notícia anterior, isso quando ao menos é noticiado.
Marcus Barros, pessoa de reconhecida idoneidade moral, foi vítima de uma dessas injustiças pelo simples fato de haver licenciado as obras de transposição do Rio São Francisco quando presidia o IBAMA, cumprindo todas as regras impostas pela legislação. No entanto, foi alvo de uma Ação de Improbidade e teve seu nome exposto na imprensa do Brasil inteiro.
Agora, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região repôs a verdade dos fatos e rejeitou a referida Ação. Lamento que o Marcus Barros tenha sido mais uma vítima desse tipo de processo que vai continuar existindo, lamentavelmente, enquanto não existir punição para os que levianamente assacam contra a honra dos outros, sem qualquer fundamento, como se vê pelo Relatório e Voto que transcrevo abaixo na íntegra.
RELATOR(A) : DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES
RELATOR
CONVOCADO : JUIZ FEDERAL KLAUS KUSCHEL
AGRAVANTE : MARCUS LUIZ BARROSO BARROS
PROCURADOR : NAIARA RODRIGUES REZENDE E OUTROS(AS)
AGRAVADO : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
PROCURADOR : FRANCISCO GUILHERME VOLLSTEDT BASTOS
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL KLAUS KUSCHEL (RELATOR CONVOCADO): — MARCUS LUIZ BARROSO BARROS agrava de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, contra decisão do ilustre Juízo Federal da 20ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, que, nos autos da Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa 2008.34.00.022418-6/DF, proposta pelo Ministério Público Federal, recebeu a respectiva petição inicial, nos termos do art. 17, § 8º, da Lei 8.429/92, determinando a citação do réu para apresentar contestação (fls. 321/322).
Diz o Ministério Público que o então Presidente do IBAMA, MARCUS LUIZ BARROSO BARROS, praticou ato de improbidade ao emitir a Licença Ambiental de Instalação 438/2007, relativa aos trechos I e II, do Eixo Norte, e ao trecho V, do Eixo Leste do Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, supostamente de maneira ilegal e contrariando decisão do Supremo Tribunal Federal (fls. 29 a 55).
Diz, também, que, para expedição da referida licença, seria necessária a conclusão e a análise pelo IBAMA dos Projetos Executivos do empreendimento, bem como a realização de novas audiências, conforme determinado nos autos da Medida Cautelar na Ação Originária 876-0/BA. Destaca que foi enviado recomendação ao Agravante, na qual estava consignada a necessidade de conclusão, apresentação e análise dos Projetos Executivos, antes da expedição da Licença de Instalação 438/2007 (fls. 29 a 55).
Sustenta o agravante, em síntese, que:
a) o Juízo agravado recebeu a petição inicial da ação de improbidade, “por vislumbrar divergência entre os fatos narrados pelo agravante na defesa prévia e no Ofício 261/2007 – Presidência do IBAMA”, uma vez que, “ao responder à solicitação do MPF no Ofício 261/2007 – Presidência do IBAMA afirmou que os Projetos Executivos foram concluídos, apresentados e analisados pelo IBAMA antes da concessão da Licença de Instalação e que, na Defesa Prévia, sustentou que o Parecer Técnico 15/2007 – COHID/CGRNE/DILIC/IBAMA não faz menção ao projeto executivo, pois a licitação deste projeto somente teve início após a emissão da licença de instalação” (fl. 05);
b) “o projeto executivo a que se referiu o agravante, e que foi mencionado no citado Parecer Técnico, não foi aquele definido no art. 6º, X, da Lei 8.666/93 como ‘o conjunto dos elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, de acordo com as normas pertinentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT’” (fl. 07);
c) o projeto executivo referido “disse respeito aos detalhamentos das partes dos projetos de engenharia relacionados com questões ambientais, necessários à emissão da licença de instalação, mencionados nos seguintes pontos do Parecer 15/2007 – COHID/CGRNE/DILIC/IBAMA e que foram considerados atendidos e parcialmente atendidos” (fl. 07);
d) o próprio Parecer 15/2007 – COHID utiliza em algumas passagens o termo “projeto executivo” sem referir-se àquele previsto na Lei 8.666/93, entendendo-se, ao contrário, como projetos que detalham partes do projeto de engenharia no que tange às questões ambientais; que “estes processos detalhados foram todos concluídos, apresentados e analisados
antes da concessão da licença de instalação, como afirmado no Oficio 261/2007 – Presidência do IBAMA” (fl. 08);
e) “quanto ao aspecto ambiental, o Projeto Executivo definido na Lei de Licitações não é essencial para a concessão de Licença de Instalação, tanto que sua obrigatoriedade não foi prevista na Resolução Conama 237/97, mantendo-se, no entanto, os interesses ambientais em relação ao empreendimento devidamente resguardados” (fl. 11);
f) o Tribunal de Contas da União já afastou suposta ilegalidade da expedição da Licença de Instalação 438/2007 pelo IBAMA, sem prévia análise do projeto executivo, o qual pode ser desenvolvido concomitantemente com a execução das obras e serviços;
g) não há qualquer exigência legal para realização de novas audiências públicas para a expedição da Licença de Instalação;
h) o agravante não descumpriu decisão da Suprema Corte, pois não existia qualquer determinação judicial para que o IBAMA promovesse novas audiências públicas, antes da expedição da licença em questão;
i) o Ministério Público Federal ajuizou a ação civil pública de improbidade administrativa, com base no art. 11, I, da Lei 8.429/92, sem demonstrar a existência de dolo ou má-fé do agravante na prática do ato administrativo ora impugnado;
j) “o ato administrativo que se reputa ímprobo encontra-se inteiramente respaldado por manifestação do corpo de técnicos do IBAMA, Parecer Técnico 15/2007 e Memo DILIC 309/2009 (cópia anexa), e de acordo com as normas de Direito Ambiental, o que também revela a patente improcedência da demanda” (fl. 20);
l) a manutenção dos efeitos da decisão agravada “causará ao Agravante lesão grave e de difícil reparação, posto que deixará em curso uma ação totalmente improcedente e que deveria ser prontamente rejeitada, atribulando sua vida pública infundamentadamente, haja vista que está claro que agiu o tempo todo amparado pela legislação ambiental” (fl. 22).
Requer, por fim, a concessão do efeito suspensivo ao presente recurso, pugnando, no mérito, pelo provimento do recurso, para rejeitar a petição inicial da referida ação de improbidade administrativa.
O pedido de efeito suspensivo foi indeferido, já que ausentes, simultaneamente, os requisitos previstos no art. 558 do CPC (fls. 330/332).
Contraminuta apresentada (fls. 337/354).
A PRR/1ª Região opina pelo provimento do agravo (fls. 357/361).
É o relatório.
V O T O
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL KLAUS KUSCHEL (RELATOR CONVOCADO): — MARCUS LUIZ BARROSO BARROS agrava de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, contra decisão do ilustre Juízo Federal da 20ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, que, nos autos da Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa 2008.34.00.022418-6/DF, proposta pelo Ministério Público Federal, recebeu a respectiva petição inicial, nos termos do art. 17, § 8º, da Lei 8.429/92, determinando a citação do réu para apresentar contestação (fls. 321/322).
A decisão agravada está assim, fundamentada:
“DECISÃO
— O requerido, MARCUS LUIZ BARROSO BARROS, na qualidade de Presidente do IBAMA, ao responder à solicitação do Ministério Público Federal, pelo “Ofício 261/2007-PRESIDENCIA DO IBAMA”, de 03 de abril de 2007, disse (f Is. 48, destes autos):
“Os Projetos Executivos do Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional foram concluídos, apresentados e analisados pelo IBAMA antes da concessão da Licença de Instalação para o empreendimento, conforme consta no Parecer Técnico nº 15/2007- COHID/CGRNE/DILIC/IBAMA” – grifei -.
Por sua vez, é o próprio Requerido que sustenta, agora em sua “Defesa Prévia”, que “De fato, o Parecer Técnico n 15/2007- COHID/CGRNE/DILIC/IBAMA … não faz menção ao projeto executivo do PISF, pois a licitação desse projeto só teve início após a emissão da licença de instalação”— grifei —, conforme vê-se a f Is. 175.
Notória, assim, a divergência dos fatos narrados pelo próprio Requerido, a traduzirem relevância jurídica suficiente ao prosseguimento da presente ação, nisso considerados os deveres funcionais de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, de que trata o artigo 11 “caput”, da Lei de Improbidade Administrativa.
E no que tange ao fato de, segundo entende o Requerido, não ser necessário se observar a apresentação do Projeto Executivo previamente à Licença de Instalação, na forma do Decreto 99.274/90, e em face da superveniente edição da Resolução CONAMA 237/97, isso é questão a demandar mais aprofundado exame do mérito da ação, pelo que necessário seu próprio prosseguimento ao alcance de uma solução para o tema.
A respeito de o Requerido não ter agido com dolo ou má-fé, de igual modo somente o prosseguimento da ação é que poderá trazer elementos de convicção a respeito, nisso levando-se em conta que os documentos que instruíram a “Defesa Prévia” não foram suficientes a tal intento.
Em face disso, não logrando o Requerido ter apresentado fundadas razões ao reconhecimento, de plano, das causas de que tratam o artigo 17, § 8º, da Lei 8.429/92, RECEBO A PETIÇÃO INICIAL.”
Assiste razão ao agravante.
Em relação à contradição na utilização da terminologia “Projetos Executivos”, gerando certa ambigüidade, entendo ficar elucidada a questão mediante os esclarecimentos prestados pelo próprio agravante, in verbis:
“o projeto executivo a que se referiu o agravante, e que foi mencionado no citado Parecer Técnico, não foi aquele definido no art. 6º, X, da Lei 8.666/93 como ‘o conjunto dos elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, de acordo com as normas pertinentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT’” (fl. 07);
“o projeto executivo referido “disse respeito aos detalhamentos das partes dos projetos de engenharia relacionados com questões ambientais, necessários à emissão da licença de instalação, mencionados nos seguintes pontos do Parecer 15/2007 – COHID/CGRNE/DILIC/IBAMA e que foram considerados atendidos e parcialmente atendidos” (fl. 07);
“que o próprio Parecer 15/2007 – COHID utiliza em algumas passagens o termo “projeto executivo” sem referir-se àquele previsto na Lei 8.666/93, entendendo-se, ao contrário, como projetos que detalham partes do projeto de engenharia no que tange às questões ambientais; que “estes processos detalhados foram todos concluídos, apresentados e analisados antes da concessão da licença de instalação, como afirmado no Oficio 261/2007 – Presidência do IBAMA” (fl. 08);
“quanto ao aspecto ambiental, o Projeto Executivo definido na Lei de Licitações não é essencial para a concessão de Licença de Instalação, tanto que sua obrigatoriedade não foi prevista na Resolução Conama 237/97, mantendo-se, no entanto, os interesses ambientais em relação ao empreendimento devidamente resguardados” (fl. 11).
A PRR/1ª Região assim se manifestou:
“No que tange à aparente contradição do Agravante no uso dos termos ‘Projetos Executivos’, fica esclarecida sua aplicação em sentido diverso ao determinado pelo art. 6º, X da Lei nº 8.666/93, o que causou ambigüidade semântica.
No Parecer Técnico, referiu-se o Agravante, ao falar em projeto executivo, às especificidades dos projetos de engenharia relacionados a questões ambientais – necessários para a concessão da licença ambiental. Já na Defesa Prévia, faz-se menção ao Projeto executivo conforme a Lei supracitada – o qual, frise-se, segundo a Resolução CONAMA nº 237/1997, é prescindível para emissão da Licença de Instalação, podendo ser apresentado e analisado durante a realização das obras e serviços.” (fl. 359) (Destacou-se)
Assevera, também, o agravante que o Projeto Executivo definido na Lei de Licitações não é essencial para a concessão de Licença de Instalação, tanto que sua obrigatoriedade não foi prevista na Resolução CONAMA 237/97.
Quanto a este aspecto, diz o Parquet em seu parecer:
“Já na Defesa Prévia, faz-se menção ao Projeto executivo conforme a Lei supracitada – o qual, frise-se, segundo a Resolução CONAMA nº 237/1997, é prescindível para emissão da Licença de Instalação, podendo ser apresentado e analisado durante a realização das obras e serviços.” (fl. 359) (Destacou-se)
Já o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 2016/2007, fls. 212/227, que trata sobre possíveis irregularidades na expedição da licença de instalação nº 438/2007, conclui o seguinte:
“(…) 5. Conforme a análise da unidade técnica, os elementos trazidos aos autos pelos supracitados órgãos não indicaram a existência de ilegalidade nos atos adotados pelo IBAMA e pelo Ministério da Integração Nacional, com relação aos aspectos ambientais do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF).
6. No que tange à expedição de licença de instalação antes da elaboração do projeto executivo destaco que a Lei nº 8.666/03, em seu art. 7º, § 1º, estabelece que o projeto executivo poderá ser desenvolvido concomitante com a execução das obras e serviços. Ademais, a Resolução CONAMA, nº 237/97, editada em data posterior ao Decreto nº 99.274/90 não fez constar, de forma específica, a necessidade de projeto executivo para a emissão de licença de instalação.”
(…)” (fl. 226) (Destacou-se)
O agravante argumenta que não descumpriu decisão da Suprema Corte, veiculada nos autos do Agravo Regimental na Medida Cautelar na Ação Originária 876-0/BA, publicada em 01/08/2008, pois não existia, na decisão, qualquer determinação judicial para que o IBAMA promovesse novas audiências públicas, antes da expedição da licença em questão.
Com efeito, o Exmo. Ministro Menezes Direito, em seu voto, esclareceu o seguinte:
“Anoto, primeiramente, sobre a decisão agravada, que, apesar de fazer menção a relevantes aspectos sobre eventuais audiências públicas e sobre possíveis estudos complementares, não impôs nenhuma exigência a respeito destes aspectos, tendo, na parte dispositiva, tão-somente, sobre os temas de mérito, indeferido a liminar requerida com o propósito de paralisar o projeto de transposição de Rio São Francisco.” (STF, MC na AO 876-0/BA, Pleno, DJ 01/08/2008)
A PRR/1ª Região, a seu modo, asseverou, in verbis:
“Não houve atuação administrativa além da legalidade ou dolosa, posto que a Resolução CONAMA 237/97 disciplina: “Art. 10 – O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes etapas: [ …] v – Audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente: […]” [Original sem grifo], bem como a resolução CONAMA Nº 009/87: “Art. 2º – Sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos, o Órgão de Meio Ambiente promoverá a realização de audiência pública.” [original sem grifo].
Não julgando necessária a realização de audiências públicas, o Agravante optou, em seu juízo de oportunidade e conveniência – portanto, em regular exercício da discricionariedade – pela concessão da Licença de Instalação para execução das obras. (fl. 360)
Ante todo o exposto, reconhecida, de plano, a inexistência de improbidade administrativa, na forma do art. 17, § 8º, da Lei 8.429/92, dou provimento ao agravo de instrumento para rejeitar a inicial da mencionada Ação de Improbidade.
É o voto.
Parabenizo o Prof. Marcus Barros pela decisão do TRF. Sou testemunha de sua conduta ética e moral no dever público.