O transporte coletivo é a principal dor de cabeça de qualquer prefeito de uma cidade média no Brasil.
Em Manaus não era, nem é, diferente. Diria até que aqui é mais grave pela maneira como a nossa cidade cresceu.
Quando assumi em 2005 deparei-me com um quadro bastante adverso e foram adotadas várias medidas para melhorar o sistema como um todo, o que de fato aconteceu, sem, no entanto, ter a pretensão de dizer que a questão foi resolvida, mas os principais problemas foram minimizados e equacionados.
A questão do reajuste da tarifa foi um deles. Na licitação feita em 2007, o edital estabeleceu que o reajuste da tarifa fosse anual, sempre em fevereiro de cada ano, e com base em dois índices: a variação do preço do diesel (30%) e de um indicador da inflação (70%). Regra simples e objetiva, que um aluno de ensino fundamental sabe calcular. Não haveria surpresa, nem sobressaltos. Nada de planilha, que pode dar para rir ou para chorar, e é o método mais ultrapassado para reajustar preços que se conhece.
No entanto, a atual administração, que sucedeu à minha, achou que o caminho era desfazer tudo o que havíamos feito e que nos custou tanto trabalho. Resultado: ao invés de melhorar, o sistema piorou e agora vive impasses desnecessários que já estavam resolvidos, como o do reajuste da tarifa.
Em fevereiro de 2009 deveria ter sido reajustada a tarifa. Pelos cálculos acima relatados o reajuste seria de 5%. Como a tarifa era R$ 2.00, passaria a ser R$ 2,10.
O Prefeito, no entanto, quis dar aquela de bonzinho. “Não dou reajuste. Agora, Manaus tem prefeito“, disse ele.
Em setembro de 2009, o Conselho Municipal de Transporte Coletivo disse ao Prefeito que a tarifa deveria ser reajustada para R$ 2,25. Os empresários foram ao Judiciário e obtiveram uma liminar autorizando o aumento do preço.
Aí prosseguiu o desmonte do que tinha sido feito: redução das meias passagens para os estudantes, redução da integração temporal, enfim redução de tudo o que beneficiava o usuário.
Em fevereiro de 2010, deveria ocorrer o reajuste anual. Mantidas as regras do contrato era a hora de subir para R$ 2,25, preço que já vinha sendo praticado, portanto, não deveria haver reajuste. Mas o prefeito era pretenso candidato a Governador e aí fez a demagogia: foi ao Programa de TV de uma aliada e anunciou a redução da passagem para R$ 2,10. Em abril, como não se viabilizou candidato voltou o preço para R$ 2,25 e a Justiça fez voltar para R$ 2,10 para, em seguida, retornar à R$ 2,25. Resultado: instabilidade total na relação contratual e na cabeça dos usuários.
Nesse clima o Prefeito começou a propor soluções milagrosas do tipo: a)- criar uma empresa pública; b)- trazer 1.000 ônibus da China; c)- licitar um sistema de informática para controlar as empresas; d)- cancelar o contrato anterior e fazer uma nova licitação para trazer novas empresas.
Terminou fazendo nova licitação dizendo que era para trazer novas empresas, mas, na verdade, era para que as empresas saíssem do contrato feito à minha época e passassem para um novo contrato, dando-lhe o pretexto para aumentar a tarifa e diminuir vantagens dos usuários, como a domingueira.
Pelo acordo, as empresas deveriam trazer 900 ônibus novos e ele daria uma tarifa “gorda”, como de fato deu – R$ 2,75 – além de acabar com a domingueira.
O anúncio da nova tarifa foi uma trapalhada digna de um pastelão mexicano. O jogo combinado era fazer a entrega de novos ônibus no sábado e publicar o decreto reajustando a tarifa na segunda-feira à tarde para vigorar na quarta-feira. Acontece que um assessor desavisado publicou o decreto na sexta-feira, antes da entrega dos ônibus novos. Foi constrangedor ver o Prefeito dar a entrevista dizendo que só ia tratar do reajuste na próxima semana e o repórter mostrar-lhe o Diário Oficial.
O resultado foi que, antes da nova tarifa entrar em vigor, saiu uma liminar suspendendo o aumento gerando uma enorme confusão com idas e vindas.
Nada disso teria acontecido se o prefeito tivesse respeitado o contrato que estava em vigor. Oportuno dizer que foi um contrato de vanguarda, trazendo as novidades constantes do então projeto de lei do marco regulatório da mobilidade urbana que, aliás, esta semana deve ser sancionada pela Presidente Dilma, após ter sido aprovado na Câmara e no Senado (leia aqui). Com ele a Prefeitura ficou com amplos poderes para efetivamente gerenciar o sistema.
Como o prefeito preferiu seguir os conselhos dos marqueteiros, ao invés de examinar o contrato e constatar que o mesmo era bom para a estabilidade do sistema de transporte coletivo, deu no que deu.
Eu poderia fazer demagogia com o tema, mas não sou afeito a isso. Prefiro propor que se faça uma reflexão sobre o desastre que tem sido a gestão do transporte coletivo em Manaus, a partir da atual administração que, querendo fazer média, só retrocedeu nas conquistas dos usuários e piorou o sistema como um todo. E é sobre isso que peço a principal reflexão: a perda de vantagens que o usuário tinha antes e perdeu como a domingueira, a integração temporal e a simplicidade do cálculo da tarifa.
Os próximos dias serão de muito estresse e tensão, que poderiam ser evitados se ao invés de querer me destruir tivessem cuidado de administrar a cidade. No final, tudo terminou se voltando contra eles próprios, dentro da máxima de que “é a volta que faz o anzol e pega o peixe pela boca”.