Como a dificuldade de lidar com paradoxos prejudica o Brasil
A vida das pessoas, das organizações e dos países é marcada por paradoxos ou tensões entre forças opostas. Os exemplos são vários. Lidar com o curto prazo e seus incêndios versus desenvolver ações necessárias para o longo prazo; cuidar da saúde versus tocar as demandas do cotidiano; garantir alta qualidade versus manter custos sob controle etc.
O problema dos paradoxos é que as tensões tendem a se resolver em favor de uma das dimensões contrastantes, a que tem a atração mais forte –por exemplo, as pessoas, organizações ou países costumam focar suas preocupações no curto prazo. Porém, essa solução é geralmente enganosa: a tensão continua latente na maior parte dos casos e os problemas continuam ressurgindo.
Um paradoxo fundamental para o país é a tensão entre o possível e o ideal, que foi basicamente ignorado na Constituição de 1988. Criou-se no papel um país que não cabe no PIB, gerando uma dinâmica insustentável de gastos públicos. Em certos contextos, como em mudanças organizacionais, até vale a pena apostar um pouco mais no ideal. Mas na economia isso não costuma dar muito certo.
Outro exemplo da Constituição são as vinculações orçamentárias. Aqui o constituinte optou por parecer justo ao garantir um percentual mínimo para gastos como educação e saúde, em detrimento de criar mecanismos para favorecer a eficácia do Estado nessas áreas. Outra tensão mal resolvida nos 3 níveis de governo é a tendência a favorecer empresas específicas com benefícios de compadrio versus a adoção de políticas horizontais, que têm maior potencial para o desenvolvimento econômico.
O setor público brasileiro também tem predileção por atacar sintomas em vez das causas de fundo dos problemas. Os sintomas têm um “campo de força” mais forte, criando, assim, “atratores” irresistíveis para gestores políticos preocupados com seu capital eleitoral. É muito mais fácil gastar com policiamento ostensivo do que com creches de qualidade para todas as crianças pobres, por exemplo.
Outro paradoxo essencial para compreender a má qualidade do serviço público é a tensão entre parecer moderno versus gerenciar o obsoleto, que se assemelha ao conflito entre o moderno e o arcaico na arena política. É preciso copiar os modismos do setor privado, mesmo que não funcionem, como os quadros bonitinhos de missão, visão e valores que enfeitam repartições públicas país afora. Esse paradoxo leva também à incorporação no discurso político de símbolos do mundo da gestão e favorece candidatos que vendam a imagem de outsiders e “gestores”.
Finalmente, existe o conflito entre adotar ações que agradam o grosso da opinião pública versus produzir o máximo de bem comum. Redução (ou aumento) de velocidade de automóveis é o exemplo clássico aqui.
O país precisa aprender a lidar melhor com esses paradoxos. O Estado caminha para um abismo fiscal; os governos prestam péssimos serviços à população, que não vê o retorno dos tributos que paga. A solução é, primeiro, não ignorar que o Estado atua em campos férteis em paradoxos ou tensões entre dimensões contrárias. Em segundo lugar, os atores políticos e os gestores precisam procurar um equilíbrio aceitável entre essas dimensões. Erros de calibragem inevitavelmente cobram seu preço, mais cedo ou mais tarde.