Do CONJUR:
Por Maurício Cardoso e Marcos de Vasconcellos
Para que 420 advogados deem conta de 360 mil processos, é preciso, matematicamente, que cada profissional cuide de 857 ações ao mesmo tempo. A conta dessa equação só fecha graças a um único fator: tecnologia. Foi com ela que o JBM Advogados, em um ano, cortou pela metade o número de profissionais da banca e, ainda assim, aumentou a quantidade de processos do escritório.
Enquanto o processo judicial eletrônico ainda é motivo de relutância no Judiciário e na comunidade jurídica, a banca tem “robôs” tocando partes dos processos no lugar de humanos. O advogado só entra para tomar decisões estritamente jurídicas, não mais para atuar na rotina burocrática.
“Hoje em dia, 70% do trabalho que um advogado faz não é privativo da advocacia”, diz Renato Mandalitti, um dos sócios. Tarefas como localizar processo no sistema do tribunal, fazer download de petição inicial, conferir prazos ou calcular custas, por exemplo, não têm nada de jurídico na visão dele.
Atualmente, o escritório, que fica em Bauru, cidade paulista de 350 mil habitantes a 330 quilômetros da capital, tem 35 procedimentos automatizados — ou robôs. Cabe aos softwares, por exemplo, fazer o recebimento e o cadastro de novas ações, juntar petições aos processos, elaborar as guias para pagamento de custas e enviá-las aos clientes — e conferir se o pagamento foi feito.
Copia e cola inteligente
Além disso, de acordo com o tipo de matéria que o processo discute, existe o robô que foi apelidado de “clicador”. Ele é usado para casos repetitivos, em que a defesa costuma ser muito semelhante.
Imagine um caso clássico de pedido de indenização de um cliente que ficou mais de 30 minutos na fila de um banco. Substituindo o “copia e cola” das petições, ao identificar o cadastro (feito por outro robô), o programa já monta uma defesa, preenchendo espaços com os dados daquele processo específico, com os argumentos de defesa que o escritório usa. Cabe ao advogado simplesmente clicar nos trechos que serão aproveitadas na peça em questão e dar o “ok”, gerando uma assinatura e enviando a peça ao sistema.
O processo pode assustar e induzir à ideia de que a máquina está dominando o homem e que o advogado passar a ser figura dispensável. Porém, a noção disseminada entre os dirigentes do escritório é que o advogado passou a agir apenas onde é exigido saber de Direito.
Ou seja, o advogado concentra-se em exercitar e aplicar seu conhecimento jurídico uma vez que fica livre de tarefas meramente mecânicas ou burocráticas. Ainda assim, para dar conta do volume de trabalho, exerce essa função dentro de uma espécie de linha de produção.
Esteira de produção
Dentro do cadeia produtiva criada pela banca, nenhum cliente é exclusivo de nenhum advogado e vice-versa — menos ainda, cada processo. Não é exagero dizer que, as esteiras de produção, velhas conhecidas da indústria, chegaram à advocacia.
A divisão de tarefas obedece às fases do processo, como o recebimento da ação, contestação, execução ou recolhimento de custos, por exemplo. Traçando fluxogramas da chegada de uma nova ação até o seu encerramento, o trabalho é dividido em fileiras de mesas, cada uma com um gerente e onde os advogados trabalham por demanda. O modelo funciona desde 2013
Assim, uma fileira de 20 advogados fica responsável, por exemplo, por acompanhar a execução de processos. Conforme as execuções vão sendo cadastradas por robôs, as ações passam para esta esteira. O gerente da esteira seleciona quais advogados estão disponíveis naquele dia. Os advogados, por sua vez, recebem direto em seu computador a ação na qual precisam trabalhar. Assim que encerram aquela tarefa, clicam para enviá-la ao sistema e já veem, automaticamente, outra chegar.
Para não perder o foco no cliente, como pregam os manuais, o método de trabalho do JBM conta ainda com um advogado chamado “focal”, a quem cabe manter contato direto com os bancos, empresas de energia e outras companhias que contratam a banca para gerenciar suas carteiras de processos.
São processadas por dia mais de 1,8 mil citações a clientes do escritório, cerca de 200 atas de audiências e mais de 100 mensagens de clientes. Muitas são as intimações que chegam direto às empresas. A transformação do JBM começou quando os sócios José Edgar Bueno e Renato Mandaliti notaram que investiam muito em tecnologia e BackOffice, para atender seus clientes e viram nisso uma oportunidade.
Dividiram de vez: a parte do trabalho que exigia advogados continuou sendo JBM. A parte de tecnologia foi para uma nova empresa, chamada Finch. Hoje, o JBM paga à Finch Serviços para usar seus softwares e serviços. A empresa, por sua vez, passou a vender os mesmos serviços para departamentos jurídicos e escritórios de advocacia. A companhia contabiliza 34 clientes.
Novo e velho
A tecnologia está tão entranhada na estrutura do JBM que um termo é frequentemente repetido por advogados do escritório: “advocacia antiga”. É assim que os profissionais da banca se referem ao modus operandi da maioria dos escritórios, em que o advogado é responsável por um processo do começo ao fim.
O uso da expressão, entretanto, é repreendido e desencorajado pelos sócios. Isso porque antigo e moderno convivem lado a lado nas organizações comandadas por eles. O mesmo prédio que abriga o JBM, que seria “o escritório do futuro”, também hospeda o Madaliti Advogados, fundada em 1997 e mais adequada ao que se pode chamar de “firma tradicional”.
Enquanto o primeiro é especializado em ações de massa, que se repetem aos milhares, o segundo é quase uma butique, com atuações em Direito Empresarial, Administrativo, Tributário e Trabalhista. Nessa altura de desenvolvimento, a tecnologia é muito mais adequada para ser empregado em uma firma que lida preferencialmente com ações repetitivas. Mas com o tempo, preveem José Edgar Bueno e Renato Mandaliti, ela trará vantagens também para todo tipo de escritório e para o Judiciário em si.
Veja bem
As mudanças são vistas com ressalvas por advogados de bancas mais tradicionais. Sócio do Araújo e Policastro, o advogado Décio Policastro diz que, mesmo que parte do trabalho seja executado por máquinas, o advogado “não é instrumento fungível, passível de ser substituído por outra coisa”. “É um técnico, normalmente insubstituível na confiança do cliente e cujo compromisso é utilizar seus conhecimentos jurídicos e trabalho em benefício do cliente”, afirma.
Mario Sergio Duarte Garcia, do DGCGT Advogados, diz temer a vulgarização da profissão. Ele aponta que é possível, sim, automatizar certas coisas, como criar modelos de petição e contratos. “Mas, em termos do exercício profissional da advocacia perante os tribunais, não acho adequada a simplificação e massificação que importaria até numa padronização com base em modelos preparados por outros e seguidos rotineiramente”, aponta.
Já o advogado Thomas Felsberg, faz o contraponto. Segundo ele, as ferramentas tecnológicas são úteis principalmente para quem lida com massa, pois permitem atuar em mais casos e mais rapidamente, mas, ao mesmo tempo, aumentam o risco de erros serem replicados e se espalharem por falta de atenção.
Ponderações a parte, o caminho do JBM parece sem volta. A única coisa que parece andar para trás é o número de profissionais. Em 2014, o JBM chegou a ter 840 advogados, e chegou a ser o maior escritório do país, por esse critério. Agora, tem pouco mais de 400, caiu para o terceiro lugar e pretende reduzir ainda mais. O número de processos, no entanto, aumentou 20%.
Maurício Cardoso é diretor de redação da revista Consultor Jurídico
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.