“Catraieiro / vai buscar / vai buscar o meu amor /
que está do lado de lá”. (Carimbó do Pinduca).
Antes de ir pra China, Michel Temer fez seu primeiro pronunciamento como presidente em cadeia de rádio e TV. Não deu um pio sobre o combate à corrupção, nem mencionou as razões que o levaram a cancelar o regime de urgência dos três projetos da presidenta Dilma Rousseff que tramitam na Câmara criminalizando o caixa 2 e o enriquecimento ilícito de funcionários públicos. Silenciou sobre esse câncer que corrói o país, mas pediu paz:
– “Agora é hora de unir o país e colocar os interesses nacionais acima dos interesses de grupos“.
É bebé? Mas os interesses nacionais não devem prevalecer SEMPRE? Por que só agora e não antes? Quem define o que é o interesse nacional? Mistério que uns velhos de Manaus desvendaram comparando Temer a Lezarrão, o “general” da guerra das catraias dos anos 1950, o que comprova uma vez mais de que tudo que sucede no país já aconteceu no bairro de Aparecida.
Reunidos para um dedo de prosa na praça da Bandeira Branca, em frente à casa onde um dia morou o Bosco Piu-piu, os velhos recordaram como a travessia do igarapé que separa São Raimundo do bairro de Aparecida era feita, antes da construção da ponte Fábio Lucena, em 1987, por canoas de duas proas, quase sempre cobertas por toldos, cada uma com capacidade para 15 passageiros, batizadas com sugestivos nomes de Pinta, Nina, Santa Maria e tantos outros. A frota de catraias, monopólio de Lezarrão, transportava diariamente passageiros e suas histórias: domésticas, operários do Matadouro, das serrarias, das fábricas de cerveja e de gelo.
O monopólio só foi quebrado em 1956 quando Gilberto Mestrinho (PTB), que morava na rua Alexandre Amorim, assumiu a Prefeitura de Manaus e entregou a seus vizinhos de Aparecida o controle do porto das catraias, na antiga Serraria Hore. O preço da travessia continuou o mesmo – 50 centavos – mas as catraias, com novos donos, eram outras: Rumo Certo, Novo Amazonas, Salve Prinho, Petebê, Sertaneja, Voadora, Flor do rio, Lady Elisa. Inconformado com a perda da concessão, Lezarrão declarou guerra total aos catraieiros de Aparecida.
– Fá-los-emos pagar caro cada centavo que nos foi subtraído. As vidas deles? Transformá-las-emos num inferno. Assim, mostrar-vos-emos que o pessoal de Aparecida não é capaz de oferecer serviço de transporte decente – disse Lezarrão no encontro realizado no Cine Ideal, na rua 5 de Setembro, com moradores de São Raimundo, conhecidos ainda hoje como “bucheiros”, porque as mulheres de lá lavavam em água de limão o bucho recolhido no Matadouro que era vendido no outro lado do igarapé. O orador foi aplaudido por bucheiros embasbacados com o uso da mesóclise.
A promessa foi cumprida ao pé da letra. Lezarrão usou todas as armas no jogo sujo e pesado. Envenenou a água da cacimba usada por catraieiros de Aparecida; sabotou canoas retirando-lhes, na calada da noite, a calafetagem de breu e estopa; promoveu naufrágios de catraias; com faca na cintura agrediu remadores e passageiros que eram recebidos com pedras na hora de atracar; criou medo nas pessoas, obstaculizando o serviço de transporte, que cada dia ficava mais precário.
– Eles são incompetentes, estão prejudicando os passageiros – repetia Lezarrão.
Os usuários das catraias, incomodados com a insegurança e com a precariedade do transporte, endossaram o coro de descontentes, exigindo a volta da frota de Lezarrão. O novo prefeito, Loris Cordovil, em 1959 atendeu esse apelo e fez que tudo voltasse a ser como dantes no quartel de Abrantes, sob os protestos revoltados dos catraieiros de Aparecida, que do dia para a noite ficaram no olho da rua.
Pedindo penico
Os catraieiros de Aparecida passaram, então, a usar os mesmos métodos para infernizar a vida de Lezarrão, denunciando o aumento do preço da passagem. “Não dá pé. Um Tamandaré para atravessar o igarapé” – diziam, numa alusão à cédula de hum cruzeiro ilustrada com o Marquês de Tamandaré.
Foi aí que Lezarrão pediu penico: “Vamos esquecer as brigas, a hora é de paz e concórdia”. Conclamou todos os usuários e moradores dos dois bairros a se unirem e a colocarem os interesses coletivos acima dos interesses pessoais ou de grupos. Como Temer, que quer nos fazer acreditar que seus interesses pessoais e partidários são os “interesses nacionais”, Lezarrão pregou a união, mas em torno do monopólio das catraias.
Na oposição, se bate panela e se tenta inviabilizar os governantes de turno. Uma vez no poder – e só então – o discurso passa a ser de “união nacional”. As panelas emudecem. A bandeira branca é levantada.
Mas os moradores de Aparecida seguiram a receita dada por Lezarrão, antes de reassumir o monopólio, que pode ser sintetizada nas palavras atribuídas a Aécio Neves (PSDB, vixe, vixe), logo após ser derrotado nas eleições presidenciais e publicadas no blog do economista Carlos Augusto Dória:
– “Vamos obstruir todo os trabalhos legislativos, até o país “quebrar” e a Presidenta Dilma ficar incapacitada de governar, sem apoio parlamentar, aí reergueremos o país que nós queremos, independente dos acontecimentos que envolvem o ex-presidente Lula e as ações do Judiciário. Sem o Poder Legislativo, nenhum governo se sustenta”.
Pela primeira vez na vida, concordo com o Aócio, que nos indica o caminho certo que devemos seguir na oposição. Basta trocar, no discurso dele, Dilma por Temer. É isso aí. Vamos lutar para reerguer o país que nós queremos: Aux armes, citoyens! Fora Temer! Eleições já!