Sou de opinião que é intolerável qualquer fraude contra o modelo Zona Franca. Ou qualquer tipo de incentivo fiscal. Qualquer deslize deve ser apurado e os responsáveis punidos.
Por outro lado, não se pode generalizar.
Esse tipo de fraude é antigo e ocorreu nos anos 80 com a simulação de vendas de caminhões, que nunca vieram aqui, e nos anos 90, com o escândalo do açúcar.
Os fraudadores estão fora de Manaus. Aqui só uns “laranjinhas” que se prestam a fazer parte do esquema por qualquer preço.
Esse tipo de fraude era para ter sido eliminado com a nota fiscal eletrônica. Pelo que diz o TCU não foi. Missão para as Secretarias de Fazenda dos estados.
O e-Social, obrigatório a partir de 1º de janeiro de 2019, vai cruzar os cadastros e reduzir significativamente a possibilidade de fraudes.
Que se apure tudo e que os culpados sejam responsabilizados.
Serafim Corrêa
Por FOLHA UOL
TCU aponta que fornecedores simulam vendas para o Norte e ganham crédito fiscal ilegal
A Zona Franca de Manaus concede descontos tributários para empresas que escapam de fiscalização e têm como sócios beneficiários do Bolsa Família, suspeitos de figurar como “laranjas” para operações fraudulentas milionárias.
A constatação é de uma auditoria sigilosa do TCU (Tribunal de Contas da União), obtida pela Folha, que apurou falhas no controle e evidências de ilicitudes nas transações comerciais com companhias da região. O caso deve ser julgado pelo tribunal na quarta-feira (16).
A Zona Franca recebe cerca de R$ 25 bilhões por ano em benefícios do governo federal. O regime especial de tributação, instituído em 1967, foi renovado pelo Congresso por mais 60 anos em 2014. Vale até 2073.
A suspeita do TCU é que parte das empresas simule a venda de insumos para indústrias da região Norte, algumas sem funcionamento real (fantasmas), para gerar créditos tributários indevidamente.
Os auditores analisaram as vendas de mercadorias para a região entre 2014 e 2017. A fiscalização desse comércio é tarefa da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus), cuja área de jurisdição inclui, além do polo industrial da capital amazonense, outras partes de Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima e Amapá. Nesse período, a renúncia tributária foi de R$ 105,2 bilhões.
A Suframa afirmou que o relatório do TCU ainda será analisado pelo ministro José Múcio e confirmou que já havia identificado todos os pontos da auditoria, adotando providências.
O relatório do TCU diz que 2.721 micro e pequenas empresas fizeram operações dessa natureza em montantes superiores aos que, por lei, podem faturar. Nesse grupo, 283 movimentaram mais de R$ 3,6 milhões em pelo menos um dos anos analisados.
Para identificar possíveis “laranjas”, foi feito um cruzamento com o cadastro do Bolsa Família. Em 36 casos, os sócios estavam inscritos como beneficiários do programa. Eles integram famílias que, por lei, devem ter renda per capita de até R$ 170 mensais, mas, nos registros oficiais, aparecem como empresários.
A Folha teve acesso à lista e consultou o Ministério do Desenvolvimento Social, gestor do Bolsa Família. Há caso em que um único cadastrado consta como cotista de quatro empresas. Trata-se de uma mulher, oficialmente dona de lojas de vestuário, que recebeu R$ 163 do programa em abril.
A reportagem esteve em cinco endereços de empresas em Manaus, mas os beneficiários que constam como sócios não foram localizados.
Numa delas, a HM Frios Comércio de Produtos Alimentícios, o empresário Antônio Henrique Santos da Silva se apresentou como proprietário. Ele disse que há dois anos adquiriu o CNPJ de uma mulher, beneficiária do Bolsa Família, que recebe R$ 251 mensais. “Só comprei porque a empresa não tinha movimentação e para poupar gastos com contabilidade”, justificou.
Silva afirmou que a HM trabalha regularmente, movimentando 150 toneladas de mercadorias por mês na Zona Franca, mas alegou que falta controle sobre as operações.
“Que eu tenha conhecimento, nenhuma carga nossa foi fiscalizada na Suframa. A carga está lá, mas eles não têm pessoal para fazer isso. A culpa não é nossa”, disse Silva.
Para que o incentivo fiscal seja concedido, a venda de insumos para a região deve passar por processos de controle que incluem vistorias. Em alguns casos, elas são documentais; em outros, a carga é verificada. Isso serve para atestar que o material descrito na nota fiscal está, de fato, entrando na Zona Franca.
O TCU aponta inúmeras falhas na fiscalização, o que, diz a auditoria, favorece ilicitudes.
“A atuação da Suframa no internamento de mercadorias não avalia a capacidade operacional das empresas. A ausência desse tipo de controle possibilita que empresas se utilizem de benefícios fiscais de forma fraudulenta”, diz o relatório.
Segundo a auditoria, “esses entes apresentam indicativos de que não suportam o volume de operações realizadas e assim podem estar atuando como fachada para que produtos sejam transacionados com as isenções fiscais.”
1,3 milhão de notas fiscais não foram checadas
Brasília”O TCU (Tribunal de Contas da União) constatou que só cinco fiscais são responsáveis por inspecionar a entrada de mercadorias na Zona Franca, o que, na prática, é feito apenas formalmente.
Ao chegar o transportador, o encarregado da vistoria pede a abertura do contêiner e, então, verifica apenas os produtos que estão ao alcance do seu olhar.
“Ainda que possa solicitar a apresentação de algum item que não esteja visível, não se dispõe de ferramentas (como escadas, empilhadeiras etc.), apoio de pessoal ou nenhum outro meio para inspecionar”, diz o relatório do TCU.
Também faltam, segundo o documento, balanças para verificar se o peso declarado no documento fiscal é compatível com o carregamento.
Outro problema é que um grupo de 67 empresas goza indevidamente de privilégio na fiscalização, segundo a auditoria. Há oito anos, suas cargas são direcionadas a um tipo de vistoria apenas documental, o chamado canal verde de inspeção. São supermercados, lojas de material de construção, distribuidoras de pneus e revendedoras de veículos, entre outros.
“Não há, nesse caso, nenhuma expectativa de controle do ingresso das mercadorias de tais empresas”, afirma o TCU.
Os auditores propõem aos ministros do TCU, que devem analisar o caso na quarta (16), a apuração de responsabilidades por falhas na fiscalização.
Outra fragilidade é que o sistema da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus) informa ao transportador a que tipo de inspeção ele estará sujeito (apenas documental ou com vistoria da carga). Para o tribunal, isso favorece a simulação da entrada de produtos.
A superintendência tem 180 dias para analisar a nota fiscal. O tribunal descobriu que 1,3 milhão de documentos estão pendentes de avaliação, alguns deles emitidos em 2007.
“Os controles da Suframa, no que toca ao internamento de mercadorias nacionais, são precários e incompatíveis com o volume de renúncias fiscais”, diz o relatório.
A Suframa afirmou neste sábado (12) que o relatório do TCU ainda será analisado pelo relator, ministro José Múcio. Em nota à Folha, o órgão alegou que todos os pontos elencados pela auditoria já haviam sido identificados internamente e que providências vinham sendo tomadas. Sustentou ainda que sua competência está limitada à constatação de que a mercadoria de fato entrou na região incentivada.
“Não cabe à autarquia realizar o cruzamento de dados a fim de verificar se a empresa beneficiária dos incentivos fiscais realizou internamento de mercadorias em volume com valores superiores ao seu limite de enquadramento. Esta atuação é de competência da Receita Federal”, argumentou.
A superintendência afirmou ainda desde 2017 vem adotando critérios mais rigorosos para autorizar inscrições na Zona Franca, “inclusive com a consulta do CPF dos sócios das empresas em diversos cadastros restritivos pela União”, e que é prematuro ter como única conclusão que a fraude esteja ocorrendo no âmbito da Suframa.
“Como é de conhecimento público, há um grande quantitativo de denúncias de fraudes no gozo do Bolsa Família, onde por vezes são identificados beneficiários que não preenchem os requisitos legais”, diz a a nota.
A superintendência afirma ainda não ser razoável usar como critério de deferimento cadastral a consulta do CPF dos sócios ao banco de dados do Bolsa Família. “[Ao] Admitir tal hipótese, estaria trabalhando com a presunção generalizada de má-fé por parte do contribuinte, e ainda mais criaria a obrigatoriedade de consulta aos demais bancos de dados de programas sociais e previdenciários, tais como Seguro-Defeso, Seguro-Desemprego e outros benefícios oferecidos pela previdência nacional”.
O órgão acrescentou que estão em fase de regulamentação novas regras para coibir e dificultar eventuais tentativas de fraudes.