Brasil vive antropofagia institucional
Diante do impasse político generalizado, do vazio de nomes, da desconfiança geral sobre as alternativas do quadro sucessório, venho humildemente apresentar o que acredito ser a solução política mais coerente para o país nestes tempos. A artista Tarsila do Amaral notabilizou-se pelo movimento conhecido como Antropofágico.
Basicamente, devorar-se um ser humano. No caso da Antropofagia, discutia-se a deglutição dos valores culturais externos e sua digestão pela cultura brasileira, transformando o que vinha de fora em uma nova arte brasileira. Isso em contraposição a uma arte pretensamente autárquica, imune a influências estrangeiras.
Debates culturais à parte, o que a crise dos caminhoneiros deixa como reflexão é que nunca antes na história deste país a antropofagia esteve tão evidente e sua persistente repetição tão capaz de demonstrar resultados aflitivos. Assistimos nos últimos anos as instituições do Estado serem abaladas pelas revelações repugnantes benfazejamente trazidas a lume pela Operação Lava Jato. Daí em diante, porem, desencadeou-se um processo de antropofagia institucional.
A política, ao invés de ser apenas depurada, psssou a ser vilanizada. Setores do Judiciário e do Ministério Público passaram a encarnar uma guerra santa que, dia sim, dia não, produziu um saldo de desesperança e repugnância da sociedade em seus líderes. Na pratica, a governança do país trocou de mãos e saiu dos representantes do povo para as corporações e os aparatos policiais, judiciais e dos promotores.
Eis que ocorre essa desobediência civil de larga escala dos caminhoneiros. O que os novos governantes do Brasil puderam fazer para solucionar o impasse? Na ordem natural das coisas, o roteiro prevê que a nova governança brasileira está preparada para combater o inimigo público número 1 de sempre: os crápulas eleitos pelo voto popular. Mas e quando o problema é mais embaixo? Cadê a chibata feroz e cruel contra um movimento que, por mais justo que tenha sido na origem, é uma chantagem inaceitável contra uma população inteira e desprotegida?
É nisso que dá a antropofagia. Primeiro, a democracia começa a devorar a legitimidade da representação popular. Depois, diante da baderna, os jacobinos que ceifaram as cabeças da democracia são triturados pela choldra amtropofagicamente. Não se iludam, senhoras e senhores ministros do Supremo, senhoras e senhores juízes idealistas, senhoras e senhores promotores abnegados: sua independência só existe enquanto persistir o arejamento institucional chamado democracia.
Se o país descambar para a antropofagia de biografias pelo mero e simples impulso do punitivismo compulsivo, as primeiras cabeças serão as deles. Mas as seguintes serão as vossas. Qualquer dúvida, perguntem aos caminhoneiros. Os caminhões que atropelaram o Executivo na mesma manobra passaram por cima de todos os Poderes. Todos. Todos impotentes e acuados. Essa é a moral da história.
Por isso lanço a candidatura de Tarsila do Amaral. Porque ela foi uma das fundadoras do movimento Antropofágico. Mas sobretudo porque ela já morreu. E é bom termos um cadáver como nosso candidato para nos lembrarmos o que pode acontecer com instituições que defendem a antropofagia não como estética, mas como ética.