RECURSO ESPECIAL Nº 1.349.445 – SP (2012/0219287-1)
RELATOR | : | MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES |
RECORRENTE | : | FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL |
PROCURADOR | : | EDUARDO DE ALMEIDA FERRARI E OUTRO(S) |
RECORRIDO | : | MEDARDO GUZMAN ANTEZANA |
ADVOGADO | : | ALLAN MARCÍLIO LIMA DE LIMA E OUTRO(S) |
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pela Fundação Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – FUFMS, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região assim ementado (fl. 367):
ADMINISTRATIVO. CURSO SUPERIOR REALIZADO NO EXTERIOR. REVALIDAÇÃO DO DIPLOMA POR UNIVERSIDADE PÚBLICA FEDERAL. PRÉVIO PROCESSO SELETIVO. LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE PEDIDOS A SEREM PROCESSADOS. INADMISSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DAS RESOLUÇÕES CNE/CES NS. 01/2002 E 08/2007. DOMICÍLIO DO INTERESSADO. IRRELEVÂNCIA. ART. 207, DA CF/88. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. ATO DA UNIVERSIDADE QUE EXTRAPOLA SUA COMPETÊNCIA.
I – O art. 4º, da Resolução CNE/CES n. 01/2002, com a redação dada pela Resolução CNE/CES n. 08/2007, não possibilita às universidades fixar procedimentos não previstos na referida resolução, no tocante à análise dos requerimentos de revalidação de diploma obtido no estrangeiro.
II – O mencionado artigo enseja a adoção de normas que disciplinem o procedimento de revalidação, estabelecendo, como requisito, que tais institutos se ajustem ao ato normativo.
III – A realização de prévio exame seletivo, nos termos do art. 7º, da Resolução CNE/CES n. 08/2007, somente é admitida na hipótese de dúvidas acerca da equivalência dos estudos realizados no exterior aos correspondentes nacionais.
IV – A Universidade fixou normas para a revalidação de diplomas obtidos no exterior, invertendo a ordem do procedimento, instituindo prévio processo seletivo anterior à análise documental do pedido.
V – A limitação da quantidade de diplomas a serem analisados, afrontam o determinado nas Resoluções do Conselho Nacional de Educação.
VI – Não há exigência de vinculação da entidade revalidadora com o domicílio do interessado na revalidação do diploma emitido por universidade estrangeira, que pode requerê-la em qualquer universidade pública brasileira que esteja capacitada para tanto, de acordo com seu critério de conveniência.
VII – A autonomia das universidades, contemplada no art. 207, da Constituição da República, constitui garantia voltada ao adequado desempenho de suas atividades imprescindíveis ao desenvolvimento da sociedade.
VIII – O direito ao livre exercício da profissão, no caso, a medicina, consagrado no inciso XIII, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, deve sobrepor-se à mera garantia inscrita na Carta. Em se tratando de profissional com diploma expedido por instituição de ensino superior estrangeira, este somente pode dar-se após a competente revalidação, nos termos do disposto na Lei n. 9.394/96, que estabelece as diretrizes e normas da educação.
IX – À luz das regras de hermenêutica, havendo conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, deve o intérprete utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito.
X – Nos termos da Lei n. 9.394/96, bem como das Resoluções ns. 01/2002 e 08/2007, do CNE/CES, pode a Universidade determinar prazo para a inscrição dos interessados no processo de revalidação, mas não alterar a ordem das fases determinadas nas referidas Resoluções.
XI – O debate no caso em tela é, efetivamente, acerca da legalidade do ato praticado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, consistente na exigência de aprovação prévia em processo seletivo para posterior apreciação de procedimento de revalidação de diploma obtido em instituição de ensino estrangeira.
XII – Conquanto tal exigência não conste expressamente da correspondência encaminhada pela instituição de ensino impetrada à Impetrante, depreende-se dos documentos de fls. 41/107 constar do edital expedido para fins de revalidação de diploma, que tal ato somente ocorrerá em relação àqueles aprovados em prévio processo seletivo.
XIII – Apelação e remessa oficial improvidas.
Os embargos de declaração opostos foram assim resumidos:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. JUNTADA DO VOTO VENCIDO. OMISSÃO. CABIMENTO. MULTA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NA APELAÇÃO. RECURSO CONHECIDO PARCIALMENTE.
I- Juntada a declaração de voto resta prejudicado o recurso da Autora nessa parte, bem como os embargos de declaração da União.
II – Verificada, no caso, a omissão a ser suprida, nos termos do art. 535, inciso II, do Código de Processo Civil, a ensejar a declaração do julgado, mediante embargos de declaração.
III – Complementado o voto para constar que a apelação não é conhecida na parte referente à multa imposta à Universidade, por ausência de fundamentação, bem como corrigido o acórdão embargado nesse sentido.
IV – Embargos de declaração acolhidos parcialmente, com efeitos infringentes.
Nas razões do especial (fls. 406/427), alega a parte recorrente violação aos artigos 48, §2º, e 53, inciso V, da Lei nº 9394/96 e aos artigos 14, parágrafo único, e 461, §4º, e 535 do CPC. Sustenta: (i) que o Tribunal a quo foi omisso; (ii) a legalidade das normas expedidas pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul concernentes ao processo de revalidação de diploma obtido em universidade estrangeira, onde se exige a realização de processo seletivo, uma vez que se encontra dentro da autonomia didático-científica e administrativa das universidades.
Não foram apresentadas contrarrazões (fl. 454).
O juízo de admissibilidade foi positivo na instância ordinária, já com submissão à sistemática do art. 543-C, § 1º, do CPC, e o recurso foi regularmente processado (fl. 456/457).
Pela decisão de fls. 469, recebi o especial como representativo da controvérsia e, nos termos da Resolução STJ n. 8/2008, determinei as providências cabíveis.
O Ministério Público Federal ofereceu parecer pelo conhecimento parcial e, nessa extensão, pelo não provimento do recurso especial.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.349.445 – SP (2012/0219287-1)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. REVALIDAÇÃO DE DIPLOMA ESTRANGEIRO. EXIGÊNCIA DE PROCESSO SELETIVO. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. ARTIGOS 48, §2º, E 53, INCISO V, DA LEI Nº 9394/96 E 207 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEGALIDADE.
1. É de se destacar que os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Constituição da República vigente. Isto não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
2. No presente caso, discute-se a legalidade do ato praticado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, consistente na exigência de aprovação prévia em processo seletivo para posterior apreciação de procedimento de revalidação de diploma obtido em instituição de ensino estrangeira, no caso, o curso de Medicina realizado na Bolívia, uma vez que as Resoluções ns. 01/2002 e 08/2007, ambas do CNE/CES, não fizeram tal exigência.
3. A Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul editou a Resolução n. 12, de 14 de março de 2005, fixando as normas de revalidação para registro de diplomas de graduação expedidos por estabelecimentos estrangeiros de ensino superior, exigindo a realização de prévio exame seletivo.
4. O registro de diploma estrangeiro no Brasil fica submetido a prévio processo de revalidação, segundo o regime previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (art. 48, § 2º, da Lei 9.394/96).
5. Não há na Lei n.º 9.394/96 qualquer vedação ao procedimento adotado pela instituição eleita.
6. Os critérios e procedimentos de reconhecimento da revalidação de diploma estrangeiro, adotados pelo recorrente, estão em sintonia com as normas legais inseridas em sua autonomia didático-científica e administrativa prevista no art. 53, inciso V, da Lei 9.394/96 e no artigo 207 da Constituição Federal.
7. A autonomia universitária (art. 53 da Lei 9.394/98) é uma das conquistas científico-jurídico-políticas da sociedade atual, devendo ser prestigiada pelo Judiciário. Dessa forma, desde que preenchidos os requisitos legais – Lei 9.394/98 – e os princípios constitucionais, garante-se às universidades públicas a liberdade para dispor acerca da revalidação de diplomas expedidos por universidades estrangeiras.
8. O art. 53, inciso V, da Lei 9394/96 permite à universidade fixar normas específicas a fim de disciplinar o referido processo de revalidação de diplomas de graduação expedidos por estabelecimentos estrangeiros de ensino superior, não havendo qualquer ilegalidade na determinação do processo seletivo para a revalidação do diploma, porquanto decorre da necessidade de adequação dos procedimentos da instituição de ensino para o cumprimento da norma, uma vez que de outro modo não teria a universidade condições para verificar a capacidade técnica do profissional e sua formação, sem prejuízo da responsabilidade social que envolve o ato.
9. Ademais, o recorrido, por livre escolha, optou por revalidar seu diploma na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, aceitando as regras dessa instituição concernentes ao processo seletivo para os portadores de diploma de graduação de Medicina, expedido por estabelecimento estrangeiro de ensino superior, suas provas e os critérios de avaliação.
10. Recurso especial parcialmente provido para denegar a ordem. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):
Discute-se nos autos a possibilidade das Universidades fixarem regras específicas para o recebimento e processamento dos pedidos de revalidação de Diploma obtido em Universidade estrangeira com base em sua autonomia didático-científica e administrativa
Em primeiro lugar, é de se destacar que os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Constituição da República vigente. Isto não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
Quanto ao mérito, o recurso merece acolhida.
No presente caso, discute-se a legalidade do ato praticado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, consistente na exigência de aprovação prévia em processo seletivo para posterior apreciação de procedimento de revalidação de diploma obtido em instituição de ensino estrangeira, no caso, o curso de Medicina realizado na Bolívia, uma vez que as Resoluções ns. 01/2002 e 08/2007, ambas do CNE/CES, não fizeram tal exigência.
A Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul editou a Resolução n. 12, de 14 de março de 2005, fixando as normas de revalidação para registro de diplomas de graduação expedidos por estabelecimentos estrangeiros de ensino superior, a qual dispõe, em seus arts. 3º e 4º:
“Art. 3º O processo de revalidação, objeto desta norma é composto das seguintes fases:
– 1ª fase: Processo Seletivo;
– 2ª fase: Análise Documental;
– 3ª fase: Julgamento de Equivalência;
– 4ª fase: Registro do Diploma.
Art. 4º O Processo Seletivo terá por objetivo classificar, por curso, os candidatos ao registro de diplomas de graduação expedidos por estabelecimentos estrangeiros de ensino superior.
Parágrafo único. É de caráter obrigatório a aprovação e classificação na Prova Escrita desta fase.”
O registro de diploma estrangeiro no Brasil fica submetido a prévio processo de revalidação, segundo o regime previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei 9.394/96).
O art. 48, § 2º, da Lei 9.394/96 assim dispõe:
“Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular
(…)
§2º. Os diplomas de graduação expedidos por universidades estrangeiras serão revalidados por universidades públicas que tenham curso do mesmo nível e área ou equivalente, respeitando-se os acordos internacionais de reciprocidade ou equiparação.
Outrossim, estabelece o inciso V do artigo 53 do mesmo diploma legal:
Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:
(…)
V – elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes;
Pela leitura dos dispositivos acima, verifica-se que não há na Lei n.º 9.394/96 qualquer vedação ao procedimento adotado pela instituição eleita.
Os critérios e procedimentos de reconhecimento da revalidação de diploma estrangeiro, adotados pelo recorrente, estão em sintonia com as normas legais inseridas em sua autonomia didático-científica e administrativa prevista no artigo 207 da Constituição Federal.
As instituições públicas são criadas para desempenhar funções sociais específicas concernentes ao interesse geral da sociedade, onde a autonomia delegada legalmente estará sempre vinculada às suas funções sociais. A autonomia tem como finalidade não o benefício da própria instituição mas o da sociedade.
Cabe à universidade, como instituição de educação e desenvolvimento, reproduzir o conhecimento, visando formar cidadãos conscientes de seu papel e de sua importância dentro do contexto social. Esta finalidade – educação – é o fator determinante da natureza de sua autonomia, como indicado no art. 207 da Carta Magna. Assim, as universidades gozam de autonomia didático-financeira, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, obedecendo ao principio da indissociabilidadc entre ensino, pesquisa e extensão.
Em razão do serviço específico que deve prestar – ensino, pesquisa e extensão – é que a universidade tem autonomia; e, em função de sua atividade, o uso da autonomia deve ser eficiente e adequado às referências socioculturais, econômicas e políticas próprias da sociedade na qual a instituição se insere.
A autonomia universitária (art. 53 da Lei 9.394/98) é uma das conquistas científico-jurídico-políticas da sociedade atual, devendo ser prestigiada pelo Judiciário. Dessa forma, desde que preenchidos os requisitos legais – Lei 9.394/98 – e os princípios constitucionais, garante-se às universidades públicas a liberdade para dispor acerca da revalidação de diplomas expedidos por universidades estrangeiras.
O art. 53, inciso V, da Lei 9394/96 permite à universidade fixar normas específicas a fim de disciplinar o referido processo de revalidação de diplomas de graduação expedidos por estabelecimentos estrangeiros de ensino superior, não havendo qualquer ilegalidade na determinação do processo seletivo para a revalidação do diploma, porquanto decorre da necessidade de adequação dos procedimentos da instituição de ensino para o cumprimento da norma, uma vez que de outro modo não teria a universidade condições para verificar a capacidade técnica do profissional e sua formação, sem prejuízo da responsabilidade social que envolve o ato.
Ademais, o recorrido, por livre escolha, optou por revalidar seu diploma na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, aceitando as regras dessa instituição concernentes ao processo seletivo para os portadores de diploma de graduação de Medicina, expedido por estabelecimento estrangeiro de ensino superior, suas provas e os critérios de avaliação.
Com essas considerações, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso especial para denegar a ordem e reconhecer a autonomia da instituição de ensino superior em elaborar seus critérios e procedimentos para revalidação de diploma estrangeiro, submetendo o presente julgamento ao regime do art. 543-C do CPC.