Nestas paragens, ditos espirituosos e conceitos semi elaborados são, às vezes, confundidos com teorias.
“Tudo aquilo que só existe no Brasil, e não é jabuticaba, é bobagem”, por exemplo, é tão somente uma frase bem-humorada. Há jabuticabas em outros países e além delas existe, no Brasil, algo mais a ser admirado.
Admitir que somos incapazes de produzir boas ideias é puro servilismo cultural, que tão somente evidencia nosso conhecido sentimento de inferioridade – o complexo de vira-latas, como dizia Nelson Rodrigues.
O que pode ser único, em um momento, pode ser o primeiro em outro.
No campo tributário, temos, no Brasil, bons exemplos de antecipações históricas, como a cobrança de tributos pela rede bancária, a fusão da administração de tributos internos com a aduana, a utilização intensiva da internet na administração tributária, etc. À época, poderiam ser tidas como “jabuticabas”.
Em futuro não remoto, presumo, os juros remuneratórios do capital próprio e a isenção na distribuição dos resultados das empresas poderão ser outros exemplos de antecipações meritórias.
É claro que respeito pela criatividade nacional não deve ser sinônimo de xenofobia intelectual, tão deplorável quanto a devoção pela verdade única e universal, muito apreciada pelos que são incapazes de perceber as nuances culturais que informam os sistemas tributários.
Quando o leitor identificar a lenda da jabuticaba sendo utilizada como argumento para refutar uma tese, desconfie que o autor não estudou suficientemente o assunto.
No amplo universo dos clichês tributários, o maior deles é a presunção de que tributo é responsável por todos os males ou instrumento capaz de prover todos os remédios.
As desigualdades, de todos os matizes, são chagas que ameaçam a coesão social. Nenhum governo, com um mínimo de responsabilidade social, pode abdicar do propósito de enfrentá-las.
É um equívoco, todavia, pretender que a política tributária seja um meio eficaz para alcançar esse objetivo, pois não há evidências que deem sustentação à tese.
As proposições que vinculam tributo à redução das desigualdades, como as de Thomas Piketty (“O capital no século XXI”), são de uma impressionante ingenuidade.
Presumem que os contribuintes são incapazes de reagir às pretensões de aumento da tributação e que abdicam da mobilidade, que a globalização propicia, ou dos sempre eficientes serviços dos planejadores tributários.
As mudanças recentes no perfil das desigualdades brasileiras estiveram claramente ligadas à estabilidade monetária, às transferências de renda, às regras de reajuste do salário-mínimo, ao aumento na oferta de empregos, etc. Nada que lembre, ainda que remotamente, a política tributária.
A despeito disso, não há como negar que os privilégios tributários das aplicações financeiras, inclusive no mercado de renda variável, tanto quanto os subsídios creditícios concedidos pelo BNDES, são mecanismos ostensivos de acumulação de capital que devem ser revistos.
Outro clichê muito difundido é qualificar como regressivos ou progressivos os sistemas tributários, com base em prevalências da tributação da renda ou do consumo, especialmente quando se tem em conta que a tributação do consumo no Brasil – aliás, infelizmente – pouco se assemelha a de outros países.
Alguns qualificam as contribuições do PIS e da Cofins como tributos incidentes sobre o consumo, e não sobre a renda, conquanto tenham, em relação ao imposto de renda, a mesma base de cálculo, no regime cumulativo, e muita semelhança, como atesta farta jurisprudência administrativa e judicial, no regime não cumulativo.
À luz dessa hipótese insubsistente, concluem que a tributação no Brasil é regressiva. Se aquelas contribuições, contudo, forem contabilizadas no campo da tributação da renda, a conclusão simplesmente se inverte. O que, no meu entender, também não autoriza afirmar que a tributação brasileira é progressiva.
Essas inferências são de um simplismo comovente. Já é tempo de abandonarmos falsas teorias e clichês.