Fake news constituem a mais perversa patologia social deste século, à medida em que promovem a infâmia e disseminam a ignorância.
Tenho denunciado a recorrente mistificação, nos autodesignados projetos de reforma tributária, como uma espécie de fake news.
Só que, no caso, há uma perniciosa associação com a omissão deliberada de informações, quer pelo encobrimento ou ausência de ensaios prospectivos, quer pela falta de fundamentação das proposições ou sua supressão à sorrelfa.
Em artigos anteriores, assinalei que pareciam inverossímeis os dados relativos ao tempo demandado para cumprimento de obrigações tributárias, no Brasil, constantes da pesquisa Doing Business do Banco Mundial.
Essas informações eram, entretanto, utilizadas como pretexto para apresentação de propostas de reforma, que, paradoxalmente, não cuidavam do burocratismo tributário.
Estranhava, também, a ausência de informações precisas sobre a metodologia utilizada e a fonte dos dados, a inexistência de auditoria por instituições independentes e o completo silêncio quanto a recomendações. Afinal de contas, a veiculação da pesquisa poderia ter implicações reputacionais sobre os países.
No mês passado, soube-se que o Banco Mundial decidiu descontinuar a pesquisa, porque investigações mostraram que os dados eram insubsistentes ou fraudados. Atribuiu-se a responsabilidade por isso a ex-dirigentes da instituição.
Pela mesma razão Paul Romer, Nobel de Economia, renunciou, em 2018, ao cargo de economista-chefe daquela instituição, que, por incúria, se converteu em propagadora de fake news.
Todas as propostas de reforma tributária, em tramitação no Congresso Nacional, estão desabastecidas de estudos, diagnósticos e previsões minimamente críveis.
Trata-se de uma desatenção com a sociedade, que, à vista de normas constitucionais, notadamente o princípio da publicidade, tem o direito de saber o que se pretende com mudanças que afetam a vida de todos.
Com base naquelas normas foi editada a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 2011), que obriga os órgãos públicos a prestarem informações relacionadas às suas atividades, quando solicitadas por qualquer pessoa, ressalvados casos especiais de sigilo.
É espantoso, pois, constatar que esse direito, disciplinado por lei, tem sido afrontado por órgãos públicos que se recusam a prestar informações, sob a esdrúxula alegação de que o atendimento dos pedidos apresentados “não colabora com o debate”.
Na agenda fiscal recente, assumiram grande proeminência discussões sobre a liquidação de precatórios no orçamento de 2022. De fato, o valor teve um expressivo crescimento em relação a anos anteriores.
Argumentou-se que não haveria como honrá-los, o que suscitou a construção de mirabolantes e inconsistentes soluções. Surpreendentemente, na proposta orçamentária, encaminhada em agosto passado, foi contemplada sua liquidação total.
Logo, a questão não era a falta de recursos para pagar precatórios, mas a limitação que eles impunham à expansão de outras despesas – provavelmente, transferências de renda, emendas parlamentares, etc. Não há ilegitimidade na pretensão. O que a macula é a falta de transparência.
No malsinado projeto de reforma do imposto de renda, aprovado na Câmara, uma das raras proposições meritórias era a previsão para tributar compulsoriamente os lucros de empresas domiciliadas em paraísos fiscais e controladas por pessoas físicas brasileiras.
O vigente diferimento da tributação para o momento da repatriação contrasta com o tratamento dispensado a investimentos no mercado nacional e estimula a remessa e a permanência de aplicações em paraísos fiscais. Lá, como aqui, não pagam impostos, configurando uma dupla não tributação.
Por insondáveis razões, os artigos que tratavam de eliminar esse foco de regressividade sumiram do substitutivo aprovado. Terá sido por conta do elevadíssimo valor dessas aplicações, como mostrou os Pandora Papers? Tributá-las não seria um trivial exercício de justiça fiscal?