Nas últimas semanas, a América Latina viveu um momento delicado: a retomada de um conflito diplomático entre Colômbia e Venezuela, causado pelas acusações feitas pelo presidente Álvaro Uribe contra seu homólogo venezuelano, Hugo Chávez, é uma demonstração da delicada correlação de forças que têm se equilibrado no continente nesta década e seu complexo jogo de interesses.
O contexto escolhido por Uribe para anunciar supostas evidências —que, ao menos por enquanto, não se sustentam— de que Chávez estaria abrigando guerrilheiros das Farc e do ELN em seu território é emblemático. Dias antes, seu sucessor, Juan Manuel Santos, indicou que iniciaria um processo de reaproximação com o país vizinho: um abandono do processo de tensionamento permanente que Uribe manteve ao longo de seus mandatos, com o apoio incondicional do governo dos EUA.
Santos, filho das elites econômicas colombianas tradicionais, segue o raciocínio da economia. O rompimento das relações com a Venezuela despencou a balança comercial da Colômbia, reduziu o lucro das empresas e elevou a taxa de desemprego. Já Uribe não abre mão da militância política que o levou a ser o braço direito da hegemonia política de Washington na América do Sul. Tenta forçar o presidente eleito a seguir o mesmo caminho, ou ao menos retardar o desmonte de anos de hostilidade institucional ao governo Chávez.
Linha semelhante tem adotado o candidato tucano à Presidência da República, José Serra, que, ainda em campanha, já criou desconforto ao acusar o presidente da Bolívia, Evo Morales, de ser leniente com o tráfico de cocaína e agora aproveitou o surto beligerante de Uribe para tentar atingir o PT e a candidata Dilma Rousseff. Serra e Uribe parecem compartilhar de uma diplomacia alinhada com os EUA acima de qualquer compromisso com a América Latina, suas instituições e seus povos.
Diante desse quadro, não poderia ter sido melhor a decisão dos países integrantes da Unasul, liderados por Brasil e Argentina, de retirar as negociações de paz do âmbito da OEA —onde os norte-americanos impõem as regras do jogo— para negociar, de acordo com a autodeterminação dos Estados sul-americanos, um plano que seja capaz de encerrar os conflitos internos que assolam a Colômbia há mais de 60 anos.
O diálogo e a independência são os grandes diferenciais de uma boa diplomacia. A Colômbia aponta o dedo contra a Venezuela e exige a formação de uma comissão internacional (que envolveria até países de fora da América Latina) para averiguar a existência de acampamentos da guerrilha que seriam protegidos por Hugo Chávez, um processo invasivo e que poderia influenciar as eleições pelas quais passará a Venezuela em setembro.
Mas a proposta que se revela mais positiva, e está sob análise da Unasul, é a de adotar, em solo colombiano e com o empenho do governo, uma nova política de pacificação, que passe por negociar com as forças hoje instaladas no interior da Colômbia. Trata-se de uma proposta que muda o paradigma e afasta a constante sombra da presença militar norte-americana na região —é necessário admitir, afinal, o fracasso do Plano Colômbia.
A questão das bases militares dos EUA na Colômbia consta também da proposta de diálogo e paz que as Farcs apresentaram ao novo presidente colombiano. Pela proposta, o movimento depõe as armas e abre-se ao diálogo com o governo em torno de cinco pontos-chave: as bases norte-americanas, os direitos humanos, a posse da terra, o regime político e o modelo econômico. É um sinal claro de que a estratégia de Uribe e seu grupo não terá sucesso.
Será necessário acompanhar de perto os desdobramentos do diálogo no âmbito da Unasul e trabalhar para que se alcance esse consenso, pelo bem da paz e da segurança na região. O recado a Uribe e aos EUA deve ser claro: na América do Sul, não há espaços para uma diplomacia beligerante, nem violação dos princípios de autodeterminação e soberania.
José Dirceu, 64, é advogado e ex-ministro da Casa Civil