Sessões secretas do Fisco são inconstitucionais, diz OAB-RJ

Do CONJUR, Por Marcelo Pinto :

A Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro impetrou, nesta quinta-feira (16/01), Mandado de Segurança na Justiça Federal para garantir que contribuintes e advogados possam participar das sessões de julgamento de primeira instância da Receita Federal, nas delegacias regionais de julgamento. Na ação, a entidade requer, em nome do direito à ampla defesa e do princípio da publicidade, que as sessões de julgamento de contestações e autos de infração sejam abertas. Além disso, que suas pautas sejam divulgadas com antecedência e que os advogados possam apresentar memoriais e fazer sustentação oral.

Em setembro passado, por iniciativa da Comissão de Estudos Tributários, a OAB-RJ enviou ofício à Superintendência da Receita Federal no estado criticando o fato dessas sessões serem fechadas, apesar de serem julgamentos colegiados. Segundo o presidente da comissão, Maurício Faro, essa limitação impede que o advogado exerça sua função na defesa dos clientes, prevista no artigo 7º do Estatuto da OAB. “O Estatuto permite ao advogado o acesso a todos os lugares”, defende. De acordo com Faro, o pleito atende à demanda de tributaristas e foi aprovado por unanimidade na comissão.

Segundo o vice-presidente da comissão, Gilberto Fraga, a participação não violaria o sigilo fiscal dos contribuintes porque apenas os advogados das partes julgadas participariam da sessão. Ele lembra que a instância superior da Receita, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, em Brasília, permite a participação dos advogados.

A resposta ao ofício veio por meio do Delegado Regional de Julgamento, que alegou que todos os atos praticados pelo órgão seguem o “princípio da legalidade” e que este é baseado em normas específicas que não poderiam ser descumpridas “sob pena de nulidade e/ou responsabilidade do servidor público”. As normas mencionadas são as do Decreto 70.235/1972, com redação dada pela Medida Provisória 2.158-35, de 2001, pelo qual o julgamento administrativo compete, “em primeira instância, às Delegacias da Receita Federal de Julgamento, órgãos de deliberação interna e natureza colegiada da Secretari Receita Federal”.

Postura exclusivamente fiscalizadora
Ao acionar a Justiça Federal, a OAB-RJ questiona esse argumento. Para a entidade, eventuais lacunas nas normas contidas no decreto não podem se sobrepor aos princípios constitucionais, “cujo âmbito de proteção contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo, mas implica também o direito do interessado em ver seus argumentos devidamente contemplados pelo órgão julgador”.

Segundo a seccional fluminense, ao vedar a participação dos contribuintes nos julgamentos nos quais são partes interessadas, as Delegacias Regionais de Julgamento tornam-se “meramente ratificadoras ou retificadoras dos atos administrativos” da Receita Federal, uma vez que suas decisões assumem posturas exclusivamente fiscalizadoras. A entidade ressalta que os processos administrativos só recebem “efetiva prestação jurisdicional” ao aportarem no Carf.

De acordo com a OAB-RJ, fora exceções que pressupõem a proteção da nação ou da privacidade, nada justifica julgamentos secretos. Além disso, afirma a entidade, ao negar o direito das partes e de seus representantes legais de participarem das sessões o órgão retira “a insuspeição e a imparcialidade que o ato deve conter”

Julgados favoráveis
Para corroborar sua argumentação, a entidade cita julgados recentes em que é reconhecido o direito do contribuinte de ser notificado e de participar dos julgamentos da primeira instância da Receita Federal. Além de decisões proferidas pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP) e pelo primeiro grau de jurisdição da Justiça Federal, são citados votos de ministros do Supremo Tribunal Federal.

Em um deles, o ministro Celso de Mello, em decisão proferida no julgamento do RMS 28.517/DF, assinala que, em se tratando de processo administrativo, “ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se estabelece uma relação de polaridade conflitante entre o Estado, de um lado, e o indivíduo, de outro”.

Ao justificar a opção pelo Mandado de Segurança, a entidade dos advogados alega que “o perigo na demora” reside no fato de a Superintendência da Receita Federal no estado não contemplar o princípio da publicidade e que seus julgamentos podem acontecer “a qualquer momento, sem a ciência dos contribuintes e seus patronos, com a impossibilidade destes comparecerem nas sessões para distribuir memoriais e realizar sustentação oral”.

Além de Maurício Faro e Gilberto Fraga, Josef Azulay Neto, também da Comissão de Estudos Tributários da OAB-RJ, assina o Mandado de Segurança. Completam o time de tributaristas que assinam a petição o procurador-geral da entidade, Luiz Gustavo Bichara, e o subprocurador-geral Thiago Gomes Morani.

Marcelo Pinto é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.