Prossegue a novela da votação, ou não, pela Câmara dos Deputados da regulamentação da Emenda Constitucional nº 29. Há o compromisso de que será votada no próximo dia 28. O cidadão comum, no entanto, não tem a menor idéia do que se trata.
Vou usar este espaço para tentar explicar.
Na Constituinte ficou consagrado que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Essa é a regra mais ampla existente em todo o mundo. Faltou definir, no entanto, algumas questões relevantes para que isso passasse da teoria à realidade, tais como:
– Quanto custa?
– Quem paga?
– Quem faz o que, ou seja, quais as responsabilidades objetivas de cada um dos três níveis de governo – federal, estadual e municipal – ?
– Com quanto cada ente – União, Estados e Municípios – participa?
– A definição de responsabilidades de cada nível de governo.
Em 2000, houve um avanço através da aprovação da EC nº 29 que estabeleceu regras transitórias, por cinco anos, prazo em que deveria ser aprovada a Lei Complementar que regulamentaria o assunto definitivamente. Se não fosse aprovada, as regras transitórias continuariam valendo. E já se passaram mais de dez anos.
Pela EC nº 29, os Municípios destinariam, no mínimo, 15% e os Estados e o Distrito Federal 12% sobre suas receitas. Já a União, o valor gasto em 2000, corrigido pela variação do PIB.
Quem é familiarizado com o assunto sabe que ao definir que a participação de Municípios e Estados seria calculada com base em um percentual aplicado sobre as suas receitas enquanto que a da União seria corrigida pela variação do PIB estava sendo consolidada uma esperteza em favor da União. Em médio prazo, Municípios e Estados aplicariam valores com crescimento bem maiores do que a União. Isto porque as receitas crescem sempre mais que o PIB e mesmo quando ele cai.
O PT viu isso e através do então senador Tião Viana corrigiu a distorção apresentando uma emenda ao projeto de regulamentação que estabelece o mesmo critério para os três entes: a União deve aplicar 10% de suas receitas em saúde. O Senado aprovou e mandou para a Câmara.
Aí entra o Lula e durante oito anos, para ser bem direto e objetivo, “enrola” prefeitos e governadores e não deixa votar a matéria.
Esse problema é uma “herança” que a Presidente Dilma recebeu. Talvez dela própria, mas recebeu. Essa é a verdade. E agora tem que resolver. Prefeitos e governadores pressionaram o Presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, e ele se comprometeu a colocar a matéria em votação no próximo dia 28.
O Governo Federal não quer que vote. Diz que é preciso ter uma nova fonte de financiamento para a saúde, um novo tributo para substituir a CPMF. Esse discurso não se sustenta, pois após o fim da CPMF em 2007, a arrecadação federal cresceu, por exemplo, em 2008, o equivalente a duas CPMF.
Aí a Presidente Dilma vem e afirma que é demagogo quem diz que não é preciso uma nova fonte de recursos para a saúde e que o assunto não se resolve só com gestão. Na seqüência da sua fala, o JORNAL NACIONAL mostra ambulâncias do SAMU abandonadas há mais de um ano, enquanto doentes necessitam de ambulâncias para serem removidos.
Convenhamos que não existe nem o que discutir que são necessários mais recursos para a saúde. Parece-me ser ponto pacífico que esses recursos têm que sair da União. Por outro lado, é inquestionável que a gestão tem que melhorar e muito para diminuir o desperdício, pois caso contrário não haverá nunca dinheiro que resolva o problema. Isso é que nem o abastecimento de água de uma cidade, onde há um tubo quebrado jogando na sarjeta a água produzida. É óbvio que senão fechar o tubo, a água não vai chegar no seu destino.
Portanto, são duas questões.
A primeira, regra uniforme para União, Estados e Municipios quanto a destinação dos recursos para a saúde.
A segunda, a gestão. O dilema não é mais recursos ou mais gestão. O impasse é que sem gestão, mesmo que tenha mais recursos, esses não atingirão o objetivo. Ou seja, faltam recursos, também, porque falta gestão.