Associada à imagem do muro, sigla se afasta do que a levou ao poder
GUSTAVO FRANCO
Transcrito da FOLHA DE SÃO PAULO:
Sou filiado ao PSDB desde a campanha presidencial de Mario Covas, e fui eleitor de José Serra, como fui de Geraldo Alckmim, a despeito desses candidatos terem me deixado a impressão de que o projeto político tucano perdeu nitidez. É verdade que, como dizia Machado de Assis, “basta ser partido para não ser inteiro”, e que o PSDB sempre acomodou muita diversidade, e por isso mesmo ficou associado à imagem do muro, não o de Berlim, mas o da hesitação.
Nada diferente de outras agremiações, exceto talvez das mais radicais e sectárias.
Não obstante, o PSDB, sempre considerado um “partido de quadros”, como se isso o afastasse das causas populares ou da efetividade em governar, produziu ideias e ações que encantaram o país: o “choque de capitalismo”, o Plano Real, a conciliação entre estabilidade e crescimento, entre políticas sociais e sustentabilidade fiscal, o combate ao corporativismo e à corrupção através da disseminação de valores como meritocracia e transparência, no contexto de uma democracia de mercado.
Era o projeto de um estado regulador e ativista, porém sem ultrapassar os limites dados pela responsabilidade fiscal, conceito que inventamos e colocamos em operação ainda que sem explorar suas últimas consequências.
A linguagem podia parecer liberal, foi esta a “acusação”, descabida, é claro, mas quem se importa com o rótulo, ainda mais dado pelo adversário? A social-democracia que os tucanos traziam, e cuja expressão mais clara era a estabilidade da moeda, definia um projeto tão simples quanto inovador: num país de privilégios e igrejinhas, onde a parte “vertebrada” da sociedade estava embriagada de patrimonialismo, revolucionário era reorganizar a economia a partir de regras universais, onde a lei era a mesma para todos, e a moeda despolitizada.
É claro que estou falando do “meu PSDB”, e que outros filiados podem ter ideias diferentes. Na verdade, acho que foram as outras correntes de pensamento no partido que passaram a prevalecer especialmente a partir da campanha de 2002, quando nos afastamos do Plano Real, das reformas e dos valores acima mencionados, menos por se apequenar diante da crítica, que pelas ideias do candidato que escolhemos.
O fato é que nossa candidatura em 2002 foi de oposição, em 2006 nosso candidato vestiu um casaco das estatais, e nas eleições de agora nosso candidato falou de privatização constrangido e “acusando” Lula de privatizar também (em concessões de exploração de petróleo), como quem diz que os partidos são todos iguais em vilania. E todo o resto? As bombas desmontadas, os programas sociais pioneiros, o Plano Real? FHC, nosso presidente de honra, mal foi lembrado. Com raras exceções, a campanha sequer mencionou que FHC trouxe uma inflação de 7.260% para 1,6% anuais em cerca de 4 anos, nada menos que uma cura milagrosa, cujos efeitos se fazem sentir ainda hoje.
Os que entendem de política dizem que a economia foi decisiva nessa eleição, pois bem, se assim é, estamos dentro do meu território e posso oferecer o meu diagnóstico: o PT governou, ganhou 80% de aprovação, e prometeu governar com as políticas econômicas do PSDB, mantendo religiosamente o tripé responsabilidade fiscal (superavit primário), metas de inflação e câmbio flutuante.
E o PT deriva praticamente todo o seu capital político dos sucessos na economia, a ponto de compensar sua inépcia administrativa e os escândalos. Fomos nós que introduzimos a fórmula da boa política econômica, e depois nos afastamos da nossa criação bem sucedida, apenas para ver nosso candidato resmungar sobre juros altos, desindustrialização e “populismo cambial”.
Não há problemas em perder eleição, pois assim é a democracia e o futebol. Ninguém vai ganhar todas. Difícil é perder jogando um futebol que não é o nosso, ver o nosso candidato sem uma identidade partidária, que talvez tivéssemos construído com o devido debate partidário. Quem é o partido que trata da saúde, emprego, segurança, os temas vagos que estão na múltipla escolha do questionário de telemarketing que os marqueteiros mostram para a população?
Resposta: todos. E ao mesmo tempo nenhum, pois se todos são a favor da virtude, onde está a diferença? O que nos distingue deles? Será que ganhamos tantos votos por conta dessas platitudes, ou por que as pessoas sabem sobre a economia, ou sobre quem fez o que, muito mais do que se pensa?
GUSTAVO FRANCO, 54, é economista e foi presidente do Banco Central entre 97 e 99