Hoje, oito anos sem a presença do professor Dobal, transcrevo texto publicado em 22.05.2011:
Em 1976, eu tinha 29 anos e fiz o concurso para Fiscal de Tributos Federais da Secretaria da Receita Federal sendo aprovado com mais nove amazonenses. No ano seguinte fui chamado para fazer o curso de formação na ESAF em Brasília. Ficamos internos no campus da Escola Fazendária e as primeiras semanas foram de tensão porque se você tirasse menos de cinco em uma matéria estaria fora.
Depois das primeiras provas fomos ganhando confiança e vencemos todos os obstáculos. Tivemos grandes professores, todos eles competentes e preparados, mas um foi especial: Hindemburgo Dobal Teixeira. Ele foi nosso professor de Processo Administrativo Fiscal, principalmente o Decreto nº 70.235/72, do qual ele havia sido o pensador e o redator. Profundo conhecedor da legislação, ele foi muito mais que um professor naqueles dias e tornou-se um irmão mais velho de todos nós. Era presidente do 3º Conselho de Contribuintes, respeitado por toda a instituição. Concluímos o curso, fomos nomeados, fiquei 45 dias em Brasília para ver se topava ir trabalhar lá, não topei, fui para Boa Vista, voltei para Manaus onde fiquei de vez.
Por conta dele, terminei gostando do PAF – Processo Administrativo Fiscal – e em 1980 quando a ESAF resolveu selecionar novos instrutores para ministrarem o treinamento aos novos colegas candidatei-me a lecionar exatamente Processo Administrativo Fiscal.
Eu tinha 33 anos e fui à Brasília submeter-me ao processo de seleção. Fui vencendo os testes e por último era uma entrevista, exatamente com ele. Foi uma alegria reencontrá-lo. Objetivamente, ele colocou as condições para o trabalho, conversamos muito sobre as questões da Zona Franca de Manaus (o 3º Conselho julgava exatamente os processos aduaneiros) e eu passei a integrar o quadro de instrutores da ESAF, dando aulas em Brasília ao lado dele, a quem sempre considerei o Mestre, no mais amplo sentido que essa palavra possa ter.
Para tristeza de todos nós em meados dos anos 80 ele apareceu com Mal de Parkinson e terminou se aposentando. Tentou de tudo no combate a doença. Fez cirurgias, ainda que sem garantia de êxito, na Argentina e Goiânia, mas a doença não regrediu. Decidiu voltar a morar em Teresina, sua terra natal. Além tributarista, ele era um poeta, um humanista, alguém de uma sensibilidade muito aguçada. Como poeta era conhecido como H. Dobal, membro da Academia Brasiliense de Letras.
Não o vi mais e passei a ter notícias dele através do Paulo José Cunha.
Em 22 de maio de 2008 foi o Paulo José quem me deu a notícia da sua partida para outro plano. Foi um baque muito forte para mim.
São três anos sem Dobal. Sem a sua calma, sem a sua palavra amiga, sem a sua opinião abalizada, sem a história de como surgiu este ou aquele artigo desta ou daquela regra da legislação tributária, mas, sobretudo sem o amigo Dobal.
O Paulo José, amigo comum e piauiense como ele, sofreu bastante essa perda e dedicou-lhe os versos que reproduzo abaixo:
Um brinde ao amigo H. Dobal
Ergo um poema ao poeta
como se uma taça ao brinde.
Um brinde ao riso afável, honesto, verdadeiro
do operário calmo das palavras,
do mestre de desapegada vaidade
incapaz de grito ou impropério,
mas capaz de levantar
enormes e frágeis catedrais
feitas de versos.
É ler Dobal
para sentir-se em meio
ao seco das caatingas,
no largo dos sertões,
ardendo,
in vitro
à fumaça do ferro em brasa
marcando bois e homens.
É conhecê-lo
para aprender
que toda glória é vã,
além de arredia aos que a perseguem.
A alegria guardada nas retinas
e o macio da mão trêmula
distraem o sorriso de menino travesso,
que ironiza vida e fama
por saber
que os pombos sempre cagam nas estátuas.
O que fica, para além da vida,
e ele bem sabe,
é o brinde que se ergue,
além do nada,
e os versos que se cantam,
além da glória,
a um tempo de carinho e amizade.
Agora, de repente, tudo é pouco
e tão grande, apenas na memória:
A conversa amena, regada a café com bolos fritos,
umas risadas, os afagos dos velhos companheiros,
ao redor de sua cadeira preguiçosa,
nas manhãs dobalinas de domingo.
Morreu Hindemburgo Dobal Teixeira.
Viva H. Dobal!