Do CONJUR, Por Fábio Pallaretti Calcini:
Pretendemos apresentar uma retrospectiva dos principais julgamentos proferidos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), por meio de sua Câmara Superior (CSRF), responsável pela uniformização da jurisprudência naquele tribunal, sem qualquer pretensão de esgotamento. O texto é meramente descritivo, de maneira que não faremos apreciação crítica a respeito dos acórdãos.
Partiremos dos julgamentos proferidos pela 1ª Turma Câmara Superior. Com relação ao aproveitamento do ágio para fins de IRPJ, aquela tem negado este direito quando:
(i) há operações atípicas, não consentâneas com a regular operação econômica e financeira, sobretudo, quanto aos requisitos como arquivamento da demonstração de rentabilidade futura do investimento e efetivo pagamento na aquisição, e, terceiro, se as condições do negócio atenderam os padrões normais de mercado, com atuação de agentes independentes e reorganizações societárias com substância econômica (CSRF, Ac. 9101-002.419);
(ii) houver operação envolvendo terceiros independentes e efetivo pagamento do preço, mas posterior transferência do ágio registrado na investidora originária para outra empresa, pertencente ao mesmo grupo econômico, por meio de operações meramente contábeis e sem circulação de riqueza (CSRF, Ac. 9101-002.428);
(iii) inexiste sacrifício na operação, notadamente em razão do fato de alienante e adquirente integrarem o mesmo grupo econômico, evidencia-se a artificialidade da reorganização societária que, carecendo de propósito negocial e substrato econômico (CSRF, Ac. 9101-002.449;
(iv) gerado internamente ao grupo econômico, sem qualquer dispêndio, e transferido à pessoa jurídica que foi incorporada (CSRF, Ac. 9101-002.391);
(v) há alienação fictícia no qual o alienante é o financiador do adquirente, passa a integrar o quadro societário do adquirente e a gerir indiretamente o investimento que já era de sua propriedade, descaracteriza por completo a operação, sendo a valoração meramente escritural sem pagamento (CSRF, Ac. 9101-002.311);
(vi) decorre de reorganizações societárias levadas a efeito dentro de um mesmo grupo empresarial, em curto espaço de tempo, constatando-se ainda que o alegado pagamento pela suposta aquisição de mais mais-valia na verdade se tratou de mera transferência de recursos internamente ao grupo econômico (CSRF, Ac. 1301-002.008);
(v) há transferência por meio de interposta pessoa jurídica da pessoa jurídica que pagou o ágio para a pessoa jurídica que o amortizar (CSRF, Ac. 9101-002.187).
Por sua vez, não é motivo para a glosa:
(i) quando a autuação fiscal sustenta a glosa da amortização do ágio na inexistência da incorporação reversa, por não conhecer a alínea “b” do art. 8º da Lei 9.532/97 (CSRF, Ac. 9101-002.184).
Houve ainda julgamento a respeito da limitação da compensação de 30% dos prejuízos fiscais (IRPJ) e base de cálculo negativa (CSLL), onde se reconheceu sua legalidade, mesmo que exista o encerramento das atividades da empresa (CSRF, Ac. 9101-002.226). Por outro lado, reconheceu-se a possibilidade de utilização sem a limitação de 30% para os casos de compensação de prejuízos fiscais apurados na vigência do Befiex (CSRF, Ac. 9101-002.149).
Já em relação à dedução dos juros sobre capital próprio (JCP), reconheceu-se a necessidade de observância do regime de competência, razão pela qual se vedou a deliberação e dedução de exercícios anteriores (JCP – retroativo) (CSRF, Ac. 9101-002.182).
Outra discussão relevante foi a respeito dos incentivos fiscais estaduais (ICMS) e os reflexos tributários a título de IRPJ/CSLL, mais especificamente, quanto à natureza como subvenção para custeio ou investimento, posicionou o tribunal que:
(i) a simples “intenção” legislativa estadual não é suficiente para caracterizar a subvenção para investimento, uma vez que somente aquelas concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos podem ser excluídas do lucro real (CSRF, Ac. 9101-002.393);
(ii) os investimentos com estimulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos devem ser escriturados na contabilidade a fim de refletir a aplicação dos recursos em ativo, dentro de um período determinado, em montante proporcional às transferências recebidas (CSRF, Ac. 9101-002.394);
(iii) descontos em empréstimos contraídos no passado não podem retroagir para se qualificar com subvenção para investimento (CSRF, Ac. 9101-002.346;);
(iv) concessão de incentivos à implantação de indústrias mediante operações de mútuo caracteriza subvenção quando houver intenção da Pessoa Jurídica de Direito Público em transferir capital para a iniciativa privada, em como aumento do estoque de capital na pessoa jurídica subvencionada, mediante incorporação dos recursos em seu patrimônio, configura outorga de subvenção para investimentos (CSRF, Ac. 9101-002.329).
Do mesmo modo, também se manifestou quanto à tributação dos lucros no exterior firmando posicionamento no sentido de que:
(i) para fim de determinação da base de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e da CSLL, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior são considerados disponibilizados para a controladora no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados (CSRF, Ac. 9101-002.332;);
(ii) não há incompatibilidade entre a Convenção Brasil-Holanda (Países Baixos) e a aplicação do art. 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001, não sendo caso de aplicação do art. 98 do CTN, por inexistência de conflito (CSRF, Ac. 9101-002.332;);
(iii) os prejuízos apurados por uma controlada ou coligada, no exterior, podem ser compensados com lucros dessa mesma controlada ou coligada (CSRF, Ac. 9101-002.332);
(vi) o alcance da disposição contida no art. 7º da IN SRF 213, de 2002, restringe-se aos lucros auferidos no exterior, não tratando da variação cambial de investimentos no exterior (CSRF, Ac. 9101-002.294);
(iv) a fixação do termo inicial da contagem do prazo decadencial, na hipótese de lançamento sobre lucros disponibilizados no exterior, deve levar em consideração a data em que se considera ocorrida a disponibilização, e não a data do auferimento dos lucros pela empresa sediada no exterior(CSRF, Ac. 9101-002.223).
Já em relação ao preço de transferência, decidiu-se que:
(i) não há obrigação legal no sentido de o Fisco assumir o ônus de sempre aplicar o método de apuração de preços de transferência mais favorável ao contribuinte, podendo apurar por apenas um dos métodos parâmetros (CSRF, Ac. 9101-002.174);
(ii) inexiste ilegalidade na IN/SRF 243/2002 (CSRF, Ac. 9101-002.444;
(iii) inclusão do frete, seguro e tributos incidentes na importação no preço praticado e parâmetro no método PRL (CSRF, Ac. 9101-002.446);
(v) a partir da Lei 12.715/2012, há exclusão do frete, seguro e tributos na importação quanto ao método PRL, na comparabilidade entre o preço praticado e parâmetro (CSRF, Ac. 9101-002.446);
(vi) os valores de frete, de seguro, cujo ônus seja do importador, e de tributos não integrarão o cálculo do preço parâmetro (método de ajuste), quando devidos a pessoa não vinculada ao importador (CSRF, Ac. 9101-002.426);
(vii) não se aplica o método do PRL mediante a utilização da margem de lucro de vinte por cento (PRL 20) nas hipóteses em que haja, no País, agregação de valor ao custo dos bens importados (CSRF, Ac. 9101-002.316);
(viii) quanto à dedutibilidade dos custos, despesas ou encargos, relativos a bens, serviços e direitos, constantes dos documentos de importação ou de aquisição, nas operações com pessoas ligadas, devem ser aplicados os seguintes métodos: PIC, PRL e CPL, sendo vedado ao contribuinte a aplicação de qualquer outro método, em desacordo com o principio da reserva legal (CSRF, Ac. 9101-002.313).
Por fim, ainda podemos destacar as seguintes decisões:
(i) as despesas tributárias com débitos de PIS/Cofins com suspensão da exigibilidade por recurso administrativo somente serão dedutíveis pelo regime de caixa, que se dará no momento do pagamento dos débitos (CSRF, Ac. 9101-002.373);
(ii) no caso de agências de viagens a receita auferida por meio de intermediação de negócios relacionados à atividade turística prestado por conta e ordem de terceiros corresponde somente ao adicional, além do fato de que os valores recebidos de consumidores e repassados aos fornecedores de serviços configuram receita (CSRF, Ac. 9101-002.359);
(iii) consideram-se desnecessárias despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos contratados no mercado financeiro, ao mesmo tempo em que fornecidos recursos a empresas ligadas, sem remuneração, a título de Afac, capitalizados parcialmente após o transcurso de longo período de tempo ou empregados em outras finalidades, porém isso não se aplica às despesas financeiras com destinação pré-definida (CSRF, Ac. 9101-002.396);
(iv) há ganho de capital na permuta de participações societárias entre pessoas jurídicas com recebimento de valor superior ao entregue (CSRF, Ac. 9101-002.445).
2ª Turma
A 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais ao julgar o imposto sobre a renda da pessoa física decidiu:
(i) tratando do ganho de capital na alienação de ações, deve ser expurgada a capitalização de lucros e reservas quando oriundos por equivalência patrimonial nas sociedades investidoras, seguida de incorporação reversa e nova capitalização, em inobservância da correta interpretação a ser conferida ao art. 135 do Decreto no 3.000/99 (CSRF, Ac. 9202-003.961);
(ii) ganho de capital auferido na alienação do imóvel rural o fato gerador se dá no momento do efetivo ganho de capital, porém, no caso de parcelamento do pagamento será tomado a cada parcela separadamente (CSRF, Ac. 9202-003.770);
(iii) no acréscimo patrimonial a descoberto é possível considerar os valores a título de recebimento de lucro ou mutuo, caso se comprove a efetiva existência no patrimônio e disponibilidade (CSRF, Ac. 9202-004.257).
Por outro lado, a mesma turma da Câmara Superior assentou, no tocante às contribuições previdenciárias:
(i) é devido o Funrural pelo adquirente mediante sub-rogação, uma vez que não houve decisão de inconstitucionalidade da Lei 10.256/2001 (CSRF, Ac. 9202-004.337);
(ii) a assistência à saúde proporcionada pelo empregador integra o salário de contribuição se não for igualitária para todos os segurados);
(iii) regras de PLR estabelecidas no decorrer do período de aferição não cumprem os requisitos legais, caracterizando salário de contribuição, pois o acordo, convenção ou negociação devem ser firmados previamente (CSRF, Ac. 9202004.307);
(iv) a ausência de participação do sindicato na convenção ou acordo coletivo é necessária pra validação das regras de PLR (CSRF, Ac. AC. 9202004.307);
(v) necessidade de regras claras e objetivas para fixação do direito à percepção do PLR (CSRF, Ac. 9202004.307);
(v) não se aplica a Lei 10.101/2000 para os diretores estatutários a título de PLR (CSRF Ac. 9202004.347);
(vi) caracteriza salário o bônus de contratação (“hiring bonus”) (CSRF, Ac. 9202004.308;
(vii) não se aplica a imunidade do art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal ao Senar, pois é contribuição de interesse de categorias econômicas (CSRF, AC. 9202-004.321).
3ª Turma
Para finalizar, é preciso ainda mencionar os julgamentos proferidos pela 3ª Turma da Câmara Superior, em especial:
(i) o critério de insumo do art. 3º, inciso II, das Leis 10637/2002 e 10.833/2003 a título de PIS/Cofins possui regime próprio, não se aplicando da legislação do IPI (restritivo) ou IRPJ (amplo) (CSRF, Ac. 9303003.477);
(ii) é possível crédito como insumo da indumentária, materiais de limpeza e desinfecção, embalagens utilizadas para transporte, pallets (CSRF, Ac. 9303003.477), despesas de rastreamento e escolta por empresas de transporte (CSRF, Ac. 9303-004.342), combustíveis e lubrificantes (CSRF, Ac. 9303003.542);
(iii) crédito presumido no percentual de 60% da Lei 10.925/2004 para a agroindústria (CSRF, Ac. 9303003.477);
(iv) desnecessidade de retificação de obrigação acessória para a utilização de crédito extemporâneo (CSRF, Ac. 9303003.477);
(v) as receitas de juros sobre capital próprio compõe a base de cálculo de PIS/Cofins (CSRF, Ac. 9303-004.180);
(vi) os incentivos fiscais que não configuram subvenção para investimento devem ser reconhecidos como receita tributável (CSRF, Ac. 9303-003.432);
(vii) os descontos obtidos perante fornecedores que não constam da nota fiscal de venda ou da fatura de serviços configuram receita bruta (CSRF, Ac. 9303-003.486;
(vii) a receita auferida por instituição financeira na alienação das ações recebidas em substituição dos títulos patrimoniais das antigas Bovespa e BM&F não é passível de tributação pela Cofins/PIS, pois não tem como atividade própria a venda de suas ações (CSRF, AC. 9303-004.183);
(viii) pessoas jurídicas que exercem atividade de corretora de valores mobiliários que tem por objeto a subscrição de ações compra e venda de ações, por conta própria e de terceiros, a base de cálculo das contribuições sociais é o faturamento (Receita Bruta) operacional, receitas típicas de compra e venda de ações da BM&F S.A. e da Bovespa Holding S.A., recebidas em decorrência das operações societárias denominadas “desmutualização”, cabendo a incidência de PIS/Cofins (CSRF, Ac. 9303-003.853);
(ix) até julho de 2004, não existe norma que desonere as receitas provenientes de vendas a empresas sediadas na Zona Franca de Manaus das contribuições PIS/Cofins, a isso não bastando o art. 4º do Decreto-Lei 288/67 (CSRF, Ac. 9303-004.113);
(x) há direito ao crédito no regime não cumulativo de PIS/Cofins quanto ao frete incorridos na operação de revenda de produtos sujeitos ao regime monofásico (CSRF, Ac. 9303-004.310);
(xi) para instituições financeiras, a base de cálculo da contribuição apurada é a receita bruta operacional, conforme definição da legislação do Imposto de Renda, incluindo todas as receitas oriundas de sua atividade-fim, como a intermediação financeira operação com carteira de investimentos (CSRF, Ac. 9303-003.393);
(xii) é receita bruta tributável o valor da alienação do direito à fruição do crédito prêmio de IPI (CRF, Ac. 9303-003.896);
(xiii) para seguradoras, as receitas financeiras integram a base de cálculo da Cofins, quando decorrentes de seus investimentos compulsórios por disposição legal, ou seja, quando originados das “reserva técnicas, fundos especiais e provisões”, “além das reservas e fundos determinados em leis especiais”, constituídos, na dicção do Decreto-Lei 73, de 1966, “para garantia de todas as suas obrigações”, porque integram o conjunto dos negócios ou operações desenvolvidas por essas empresas no desempenho de suas atividades econômicas peculiares (CSRF, Ac. 9303-003.863);
(ix) no caso da Cide, há de se considerar na base de cálculo das remessas ao exterior o IRRF (CSRF, Ac. 9303-003.878).
Como já dito, sem pretensão de esgotamento, são algumas das decisões relevantes de 2016 do Carf, aguardando-se o julgamento de outros temas em 2017.
Fábio Pallaretti Calcini é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.