Repatriação: a lógica da pescador.

O governo federal no ano passado lançou um programa de repatriação de recursos de brasileiros ou de residentes no Brasil que estavam ou ainda estão no exterior. Quem trouxesse esses recursos de volta mediante o pagamento de 15% de imposto de renda e mais 15% de multa ficaria livre de qualquer penalidade.

A época ocorreram muitas críticas de todas as ordens e em todos os sentidos. “Isso é negociar com sonegadores”, “Não vai render nada”, “Isso é para regularizar o dinheiro do caixa dois da Lavajato”. O Ministro Joaquim Levy, Ministro da Fazenda do Governo Dilma, defendeu a medida que finalmente foi aprovada e valeu até o dia 31 de outubro.Foram excluídos dessa possibilidade os agentes públicos e seus parentes.

O resultado foi acima do esperado com uma arrecadação de mais de 50 bilhões de reais, 10 bilhões a mais do que renderia uma CPMF. Com um detalhe: a regularização total foi de R$ 169,9 bilhões, sendo R$ 163,9 bilhões de pessoas físicas e R$ 6,06 bilhões de pessoas jurídicas. Ou seja, o dinheiro era preponderantemente de pessoas físicas e não de empresas.

O que a maioria não percebeu foi o contexto em que se deu essa decisão e seus antecedentes. Lá atrás os países mais ricos possibilitavam a estrangeiros possuir depósitos em contas cifradas com a garantia do mais absoluto sigilo bancário. Exemplos disso a Suíça e a proliferação de paraísos fiscais principalmente no Caribe. Ao fim e ao cabo, o grande beneficiário desses recursos, em sua maioria oriundos de países onde a economia e a política tinham a marca da instabilidade, era os Estados Unidos.

Tudo mudou no dia 11 de setembro de 2001 com a explosão das Torres Gêmeas por uma razão simples: o dinheiro do terrorismo, responsável por aquele atentado, trafegava por essas contas secretas. A partir daí prevaleceu a percepção de que o sigilo bancário impenetrável era intolerável para a paz mundial e os países começaram a firmar entre si acordos internacionais que permitissem, por assim dizer, a flexibilização dos sigilos bancários. O Brasil é um dos signatários de muitos desses tratados, alguns já em vigor, outros entrando em vigor no final deste ano e os demais até o final de 2018.

Portanto, quem tiver dinheiro no exterior tem que ter claro que as autoridades brasileiras terão acesso a essa informação. E aí vem a lógica do pescador, que joga a rede e vem puxando. Os peixes que estiverem dentro da abrangência da rede serão capturados. A repatriação é a chance dos “peixes” pularem da rede. Os que fizeram agora perceberam isso, mas ao que parece existem muitos bilhões de dólares ainda no exterior e que pertencem a residentes no Brasil.

Daí que a manchete de O GLOBO de hoje traz duas notícias relevantes: a primeira, o Secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, dizendo expressamente: “A ERA DO SIGILO FISCAL ACABOU” e a segunda, o Senador Renan Calheiros, presidente do Senado, articulando uma reabertura de prazo.

Por último, registre-se que a lógica do Direito Tributário é arrecadar. E isso está consagrado na regra de que o pagamento extingue o tributo e por consequência qualquer penalidade a ele inerente. Daí que não interessa à quem tem a missão de arrecadar punir, mas sim arrecadar.

É isso. Aguardemos os próximos capítulos da novela iniciada há quinze anos atrás com o atentado das Torres Gêmeas feito pelo organização fundamentalista islâmica al-Qaeda, que obviamente não tinha ideia de que aquele ato terrorista provocaria o fim do sigilo bancário. Ou melhor, sua flexibilização.