Por Everardo Maciel
Após o malogro do Plano Trienal, em 1963, sucedâneo de igualmente malogradas iniciativas econômicas, o Presidente João Goulart apelou para uma nova bandeira política, suficientemente vaga para abrigar todas as possibilidades. Eram as reformas de base.
O conceito tinha um especial encanto, porque encerrava a ideia de esperança e futuro. Em verdade, eram apenas um conjunto de projetos mal-acabados e insubsistentes, sem o suporte de diagnósticos. Traduzia, quando muito, alguns dogmas ainda que carentes de validação empírica, a exemplo da substituição de importações.
As reformas de base não prosperaram. Geraram, todavia, o duradouro espírito do reformismo, do que se aproveitou o primeiro governo militar para promover reformas tributária, bancária e administrativa.
Reformas são sempre necessárias. Até mesmo no conservador âmbito das igrejas: Ecclesia semper reformanda est (a Igreja está sempre se reformando).
A necessidade de renovar, contudo, não legitima reformas. Há boas e más reformas, assim como há as que são viáveis e as que não são.
Reforma exsurge do reconhecimento de problemas relevantes e da identificação de possíveis soluções. Sem um bom diagnóstico, não há problema, nem reforma.
Muitas vezes somos tomados por falsos problemas, como, por exemplo, julgar que eles existem, apenas porque o que temos é diferente do que há em países mais desenvolvidos. Essa não é uma razão suficiente. Diferenças não são imperfeições.
O “complexo de vira-latas”, detectado por Nelson Rodrigues, está profundamente arraigado na alma brasileira. Sua cura demanda gerações. Em virtude dele, chegamos até a detratar nossas jabuticabas.
É nesse contexto que surge a pretensão de instituir o IVA (imposto sobre valor agregado), tão somente porque outros países o adotam.
Não se leva em conta, entretanto, que os Estados Unidos vivem prosperamente sem esse imposto, nem que se trata de uma solução do século XX incompatível com a revolução tecnológica que assiste o mundo.
Quais são os problemas do ICMS? Seriam eles superáveis, por meio de soluções simples? Como fica o pacto federativo? Nada se debate.
“Cortem-lhe a cabeça”, repetia a colérica e arrogante Rainha Vermelha, em “Alice no País das Maravilhas”. Se temos um problema, queremos começar tudo de novo. Riscos e custos das mudanças que se danem! O importante é cortar cabeças e desfrutar o prazer da criação, qualquer que seja ela.
Constitui erro crucial superestimar os problemas e subestimar as reações às mudanças. É indispensável que haja consistência nos diagnósticos e pragmatismo no encaminhamento das soluções.
Parafraseando Luigi Pirandello, é desarrazoada a concepção de soluções à procura de um problema.
A reforma da previdência pode nos ensinar algo. É evidente que temos um dramático problema previdenciário, em decorrência de inúmeras causas, como redução da natalidade, aumento da expectativa de vida, novas relações de trabalho, avanço da economia digital, existência de privilégios desproporcionais na concessão de benefícios, etc.
A despeito dessas evidências, a reforma previdenciária, ao menos por enquanto, não logrou êxito.
O que houve? Pretensão de mudança abrangente, maximizando conflitos? Má avaliação da capacidade de reagir dos que sofreriam os impactos da reforma? Incapacidade de convencer a sociedade sobre a relevância do problema, especialmente quando se considera o baixo nível de informação de grande parte da sociedade, sendo, portanto, presa fácil da contrapropaganda dos que iriam perder privilégios?
O insucesso da reforma previdenciária decorre de uma combinação das hipóteses suscitadas, a par de um grande erro de estratégia.
Temos, é claro, uma montanha de problemas, que vão desde os lamentáveis bolsões de pobreza até a ineficiência das instituições. Estamos, também, acorrentados a uma agenda atrasada, na qual avulta o estrangulamento do Estado pelas cracas do corporativismo e do patrimonialismo. Lamentavelmente, os problemas são mal formulados. Ainda somos um país do passado.