A aridez da matéria tributária pretexta, com muita facilidade, a construção de fabulações e falsas ilações, que não raro escondem interesses econômicos ou políticos. A partir daí, são construídas soluções, autodesignadas reformas tributárias, que desfrutam do prestígio da novidade.
É recorrente dizer-se que no Brasil são gastas anualmente 2.600 horas para cumprimento das obrigações tributárias, tendo por base a pesquisa “Doing Business”, patrocinada pelo Banco Mundial.
Nunca se soube, até hoje, como é feita a pesquisa, a fonte de suas informações e a especificação das tarefas que demandam tempo. Uma instituição com a reputação do Banco Mundial, se demandado, tem a obrigação de esclarecer o dado, porque sua divulgação tem implicações reputacionais.
Se procedente a informação, cabe indagar: decorreria ela da sobrecarga de obrigações acessórias ou do tempo dispendido com litígios, às vezes constituídos para não pagar impostos? A primeira hipótese remete ao campo da administração tributária e a segunda a questões associadas ao processo tributário. Portanto, em nenhum caso se vincula à natureza dos tributos. A despeito disso, é utilizado como motivação para a “reforma tributária”.
Há, também, o argumento da complexidade. Não se explora, contudo, o tema com profundidade.
Afinal que complexidade é essa? Seria a excessiva litigiosidade vinculada ao processo tributário, o burocratismo pernicioso, as indeterminações conceituais que repercutem sobre a segurança jurídica ou problemas específicos de tributos?
A ausência de um diagnóstico rigoroso desautoriza qualquer proposta de reforma, especialmente quando ela constitui mera reprodução acrítica de modelos adotados em outros países, em contexto distinto, e não necessariamente adaptáveis.
Sistemas tributários são construções político-culturais, que adotam técnicas de extração, mas não são caudatários delas. Em outras palavras, não são softwares de prateleira.
É simplismo imaginar que reunir dois tributos gera um terceiro mais simples que os anteriores. Veja-se, por exemplo, a pretensão de fundir o PIS e a Cofins gerando outro tributo, com o propósito de simplificar.
Essas contribuições têm a mesma legislação e são pagas com o mesmo documento de arrecadação. Diferenciam-se, tão somente, na destinação das receitas: o PIS financia o seguro-desemprego, o abono salarial e o BNDES; a Cofins, o orçamento da seguridade social.
A proposta Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), decorrente da fusão do PIS com a Cofins, tem apuração bem mais complexa do que a atual. Circunstancialmente, exigiria a apropriação de créditos integrada e coordenada com a escrituração por meio de um sistema de contabilidade de custos.
Argumenta-se que as propostas eliminariam litígios. Ao contrário, aumentariam. O tributarista Roberto Quiroga já identificou, no projeto de lei, 12 brechas para questionamentos judiciais. E há outras.
A PEC 45 dispõe sobre mais de 150 normas constitucionais, o que propiciaria questionamentos judiciais cuja solução demandaria décadas.
No regime cumulativo do PIS/Cofins jamais existiu controvérsia, ao passo que no regime não cumulativo quase todos os litígios estão centrados no reconhecimento dos direitos creditórios dos insumos, sendo algo que decorre de um erro de interpretação em ato infralegal, cuja solução é trivial.
Em todas as propostas de reforma tributária, diz-se que não haverá aumento de carga tributária. Trata-se de um discurso enganoso.
Contribuintes pagam tributos e não carga tributária, que afinal é tão somente um parâmetro para aferir o nível geral de tributação. O que conta para o contribuinte é o montante de tributos que ele paga individualmente.
Nenhuma proposta, entretanto, especifica as repercussões sobre setores, entes federativos e preços. E quando discrimina a alíquota geral, como na proposta da CBS, não disponibiliza a memória de cálculo. Como podem os parlamentares deliberarem sobre a matéria, se as informações são sonegadas a eles e à sociedade?