Por Farid Mendonça Júnior. Economista e Advogado.
Hoje, 21 de julho de 2020, o governo federal apresentou uma proposta de reforma tributária, que irá se juntar as outras propostas que já tramitam na Câmara dos Deputados (PEC 45/2019) e no Senado Federal (PEC 110/2019).
Diferentemente das outras propostas de reforma tributária via Constituição Federal e, portanto, bem mais amplas e desafiantes, a reforma enviada pelo Ministro Paulo Guedes concentra-se na reforma das contribuições PIS/PASEP e COFINS, com o objetivo de unificá-las numa nova contribuição chamada de Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS e que, por ser uma contribuição a nível federal, o que for arrecadado ficará integralmente com a União.
Sendo assim, o novo tributo irá extinguir o PIS/Pasep sobre a folha, o PIS/Pasep sobre a importação, o PIS/Pasep sobre receitas, a Cofins sobre importação e a Cofins sobre receitas.
Após a coletiva do Ministro Paulo Guedes ao lado dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, teve início uma apresentação do Secretário Especial da Receita Federal, Sr. José Barroso Tostes Neto, juntamente com demais técnicos desse órgão para explicar e/ou esmiuçar a proposta.
Na apresentação, foram apresentados alguns dados já conhecidos de nosso manicômio tributário, tais como: o tempo médio de um processo de execução fiscal na Justiça supera 8 anos; o contencioso tributário federal representa 8% do PIB; as empresas (brasileiras) gastam cerca de 1.501 horas/ano para declarar.
Logo após, a apresentação lista os princípios que procuram fundamentar mais uma proposta de reforma tributária, mesmo que seja somente relativa a contribuições sobre o consumo a nível federal, que são:
– Simplificação e menos custo;
– Segurança jurídica;
– Transparência;
– Maior equidade e fim de privilégios;
– Manutenção da Carga Tributária Global;
– Combate à evasão e à sonegação;
– Neutralidade nas decisões econômicas;
– Mais investimento e mais emprego.
O governo também se utiliza destes princípios para apresentar seu cronograma de intenções ou de apresentação das reformas. Sim reformas tributárias. Serão 4 no total em praticamente 1 mês.
O governo parece ter delineado uma estratégia própria, talvez baseada nas experiências das trágicas tentativas de reformas tributárias ao longo dos últimos 30 anos, para ter esperado até o momento o Congresso discutir e não decidir nada com duas amplas propostas de reformas, para então entrar com as suas propostas fatiadas e, em tese, menos desgastantes.
Começa com a apresentada hoje, que unifica as contribuições do PIS/PASEP e COFINS criando a CBS ou Contribuição sobre Bens e Serviços. Logo após, mais ou menos daqui a 20 dias (palavras do secretário), o governo pretende encaminhar a próxima, que será a reforma do Imposto sobre produtos Industrializados – IPI. Mais adiante encaminhará a reforma do imposto de renda, tanto da pessoa física quanto da jurídica (IRPF e IRPJ) com a redução da tributação sobre empresas e tributação de dividendos e menos pejotização e mais investimento. Por último, o governo pretende desonerar a folha de salários para reduzir o custo do trabalho formal.
Pois bem, começamos pela primeira. O governo, em suas palavras, cria uma espécie de IVA (imposto sobre valor agregado) federal, denominado de Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS, extinguindo o PIS/PASEP e a Cofins, ou seja, para dar fim a tributos diferenciados para vários setores e mais de uma centena de regimes especiais.
Justifica que atualmente a complexidade da legislação referente ao PIS/PASEP e COFINS é tamanha que a legislação possui mais de 2 mil páginas, que cada produto novo gera dúvida, que há uma grande indefinição do que é insumo, que ocorre cumulatividade (tributos sobre tributos), que existem cerca de 71 mil processos na Receita Federal e no Carf (quase 20% do total) e que no STJ, somente PIS/Cofins representa 25% dos processos em que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional atua, e que no STF, existem 22 temas com repercussão geral travando mais de 10 mil processos nas instâncias inferiores.
A Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS terá uma alíquota de 12% e cada empresa irá pagar somente sobre o valor que agrega ao produto ou ao serviço. Portanto, não existirá cumulatividade, pois a cobrança apenas será sobre o valor adicionado por empresa.
O novo tributo promete ser mais transparente porque irá incidir sobre a receita bruta (ou faturamento) e não mais sobre todas as receitas.
A CBS irá incidir por fora e não por dentro (como é atualmente) e cada empresa poderá se creditar da etapa anterior da cadeia de fornecimento de bens e serviços, bem como as empresas que exportarem também, ou seja, o recolhimento feito pelo fornecedor de bens e serviços gera crédito para quem compra.
As receitas não operacionais não serão tributadas (dividendos, rendimentos de aplicações financeiras e juros sobre capital próprio).
O governo promete um menor custo. Uma redução de 52 para 9 campos na Nota Fiscal e de 70% das obrigações acessórias.
A base de cálculo do novo tributo exclui o ICMS e o ISS, fontes de inúmeros litígios nos tribunais.
Uma novidade da legislação é que as plataformas digitais deverão recolher o novo tributo quando intermediarem operações em que o vendedor não emita nota fiscal eletrônica, como é o caso de plataformas de vendas entre pessoas físicas.
Nos serviços de saúde, não haverá incidência sobre as receitas recebidas do SUS por hospitais particulares. E aqui não há qualquer razão para ser diferente, pois não há qualquer lógica quando o governo (o SUS) paga um hospital ou uma clínica para atender a população e cobra um tributo que irá voltar para o próprio Estado.
O governo ressalva do novo tributo alguns regimes diferenciados de tributação, tais como:
– O Simples Nacional (não irá mudar nada e a empresa que adquirir bens e serviços de optante pelo Simples poderá apurar crédito);
– A manutenção do regime agrícola;
– Os casos de regime monofásico para produtos como gasolina, diesel, GLP, gás natural, querosene de aviação, biodiesel, álcool e cigarros;
– A Isenção na venda de imóveis residenciais para pessoas físicas;
– Entidades financeiras, planos de saúde e seguradoras mantêm a forma de apuração antiga com alíquota de 5,9%, sem direito a se creditarem;
– Isenção das cooperativas em operações entre elas e seus associados;
– Isenção para receitas decorrentes da prestação de serviços de transporte público coletivo;
– O caso da Zona Franca de Manaus, mas com simplificação das regras e procedimentos.
Num primeiro olhar, a reforma parece ser excelente. Afinal, promete simplificar demais os procedimentos, principalmente as obrigações acessórias, além de permitir que as empresas se creditem do que foi pago na etapa anterior da cadeia de fornecimento de bens e serviços (que não é permito na atual sistemática).
Entretanto, um olhar mais atento se faz necessário. De cara a alíquota do novo tributo será de 12%. Atualmente a alíquota do PIS/PASEP denominada de “não cumulativa” é de 1,65% e da COFINS é de 7,6%. Portanto, quando somadas, as alíquotas perfazem um total de 9,25%.
Ora, se vai aumentar pra 12% de forma geral, haverá aumento da carga tributária de 2,75 pontos percentuais (12% – 9,25%).
O governo argumenta que o novo tributo será verdadeiramente não cumulativo, uma vez que a atual sistemática não se revela desta forma no operacional. Mesmo assim, a diferença de 2,75 pontos percentuais é uma variação muito grande que ocasionará não só a manutenção dos atuais níveis de arrecadação do governo, mas sim o crescimento desta arrecadação e, portanto, aumento da carga tributária.
Quanto à Zona Franca de Manaus, há aqui a necessidade de um olhar ainda mais atento à questão. O item 14.4 do ofício do Ministro Paulo Guedes que esclarece a presente reforma ao Presidente da República menciona que “Os benefícios para as operações envolvendo a Zona Franca de Manaus – ZFM e as Áreas de Livre Comércio – ALC foram mantidos em razão de reiteradas decisões do STF e do STJ reafirmarem a obrigatoriedade de tratamento diferenciado para a ZFM. As vendas feitas para as pessoas jurídicas nelas instaladas são isentas, sem prejuízo da apropriação de créditos a elas vinculados. Os bens nelas produzidos são vendidos com incidência reduzida da CBS”.
Veja, o tom do argumento utilizado dá entender que o governo está respeitando a Zona Franca de Manaus – ZFM devido às reiteradas decisões do STF e do STJ reafirmarem a obrigatoriedade de tratamento diferenciado. Em nenhum momento, o referido documento evidencia a importância do modelo ZFM como instrumento de desenvolvimento regional. Logo, por uma questão lógica, se não fosse a “as reiteradas decisões do STF e do STJ” a Zona Franca de Manaus não seria respeitada. Se não fosse o texto constitucional garantindo a ZFM, ela não seria respeitada e a proposta passaria por cima dela.
Evidencia-se ainda mais este argumento de o governo ter que “respeitar” ou manter a ZFM na proposta apresentada, haja vista que é um projeto de lei e não uma emenda à constituição. E, como se sabe, apenas uma emenda à constituição tem o poder de relativizar as garantias de incentivos fiscais à ZFM.
Os artigos 25 a 28 da presente proposta mencionam a Zona Franca de Manaus e suas peculiaridades.
O artigo 25 garante que são isentas do novo tributo as receitas decorrentes da venda de bens realizada por estabelecimento de pessoa jurídica localizado fora da Zona Franca de Manaus – ZFM para estabelecimento de pessoa jurídica localizado na Zona Franca de Manaus – ZFM e entre estabelecimentos de pessoas jurídicas localizados na ZFM, excetuando os produtos sujeitos à incidência monofásica e os que não tenham origem nacional. Além disso, acrescenta que poderão ser instituídos controles específicos para verificação da entrada na ZFM dos bens vendidos com a isenção.
O artigo 27 permite a apropriação de créditos vinculados às receitas isentas previstas no art. 25, confirmando as “reiteradas decisões do STJ e do STF”.
Já o artigo 28 autoriza que a pessoa jurídica poderá apropriar crédito presumido da CBS em relação à venda de produção própria por estabelecimento industrial localizado na ZFM nos termos de projeto aprovado pela Superintendência da Zona Franca de Manaus – Suframa e que este crédito presumido corresponderá a 25% do valor da CBS incidente sobre a operação de venda.
Apesar das vantagens acima garantidas, faz-se necessário um olhar mais matemático e não tão simplório da questão . Atualmente, quem produz na Zona Franca de Manaus com incentivos federais (via Suframa) recolhe de forma geral 3,65% a título de PIS/PASEP e CONFINS somados. Ou seja, bem menor que os 9,25% (1,65% do PIS/PASEP e 7,6% da COFINS) do resto do Brasil.
A proposta altera a alíquota geral para 12%, sendo que o artigo 28 (acima mencionado) permite um crédito presumido de 25%. Logo, 25% sobre a alíquota de 12% é 3%. E 12% – 3% é igual a 9%. Logo, as empresas das Zona Franca de Manaus passarão de uma alíquota de 3,65% para 9% da noite para o dia com a aprovação da reforma, o que vai onerar substancialmente a produção na ZFM.
Na outra ponta, ou seja, quem compra os produtos provenientes da ZFM, tem o direito de se creditar também. Atualmente, estas empresas que compram da ZFM se creditam em 5,6%. Mas com a aprovação da reforma, estas empresas vão passar a se creditar em 12%, fazendo com que quem compra da ZFM tenha direito a um crédito maior.
Portanto, temos um efeito negativo e outro positivo para a Zona Franca de Manaus. O positivo é que as empresas que compram da ZFM vão passar a se creditar em 12% (diferença de 6,4% em relação ao que era) e o negativo é que quem produz vai passar a pagar 9% já com o crédito presumido de 25% (um diferença de 5,35% em relação ao que era).
A vantagem ou a desvantagem das operações ao se colocar na equação os efeitos negativo e positivo não é uma conta fácil de fazer. Caberá à cada empresa instalada na Zona Franca de Manaus começar a demandar de advogados e contadores baseado nos números reais se é vantagem ou não a atual proposta.
Independentemente disso, a atual sistemática do PIS/PASEP e da COFINS não são os últimos bastiões que sustentam a viabilidade da Zona Franca de Manaus, e não representam o verdadeiro coração do sistema.
Se o governo cumprir o que prometeu hoje (21 de julho de 2020) e enviar a futura proposta relativa ao Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, talvez nem conta seja preciso ser feita. Uma eventual mudança e extinção do IPI poderá ser fatal para um modelo que luta todos os dias em dizer: “eu ajudo a preservar a Amazônia e dou dignidade a sua gente!”.
Autor: Farid Mendonca
(*) – Economista e Advogado