Por Flávio Cordeiro Antony Filho (*):
A busca por um mundo melhor, com programas voltados à sustentabilidade e ao futuro do meio ambiente, deveria receber incentivos para tornar os modelos de negócios menos onerosos à sociedade como um todo. O direito, sem embargo, não deve desconhecer essa realidade.
É nesse contexto que a reciclagem exerce papel fundamental, precisando, se não de estímulo, pelo menos de respeito às vigentes regras constitucionais.
Nossa Carta Magna proíbe a cumulatividade na cobrança do IPI e do ICMS (arts. 153 e 155), compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, a fim de evitar que o mesmo valor seja tributado duas vezes.
O setor de reciclagem utiliza matéria-prima que já foi alvo de tributação estatal, daí porque a empresa deve ter direito a compensar o que foi cobrado nas operações anteriores, em respeito ao princípio constitucional da não cumulatividade.
Não se trata a reciclagem de produzir algo com matéria-prima virgem, quanto à tributação de IPI e de ICMS, mas sim de aproveitar a matéria-prima já utilizada em outros produtos para fazer retornar às prateleiras um produto pronto para ser consumido como novo. Nesse caso, alumínio, ferro, garrafas plásticas, papel, dentre outros, não são produtos primários; logo, já trazem embutidos valores pagos a título de IPI e de ICMS em operações anteriores, que devem ser compensados.
Pesquisas apontam que uma lata de alumínio demora, em média, catorze dias para sair das mãos do consumidor e retornar às prateleiras dos supermercados e lojas, depois de reaproveitada através da reciclagem. Nesse período, quem produz, vende ou compra – o comerciante e o consumidor final – paga os mesmos impostos duas vezes.
Se uma empresa recolhe e ainda recicla papel para revendê-lo, pagará mais uma vez esses impostos. Não é à toa que o papel reciclado que se compra nas papelarias é mais caro que o comum – em razão de nova incidência de IPI e de ICMS –, mesmo sendo produzido pela mesma empresa.
A utilização de produtos recicláveis, além do contexto da questão ambiental, está inserida em importante questão social, pois, com a prática, não só o Governo estará economizando, em vista de a coleta ser feita por catadores, como também novos empregos serão gerados.
Temos no Brasil um passivo ambiental para os próximos 20 anos, logo, não podemos cruzar os braços. Obviamente, não se está defendendo a reciclagem desenfreada e impactante ao meio ambiente, mas sim uma maneira alternativa de amenizar os problemas já existentes.
Não basta a conscientização das pessoas para promover a reciclagem. Muita gente, no Brasil, já separa resíduos recicláveis em casa, mas estes terminam em aterros sanitários e lixões. Tratar o resíduo reciclável requer profissionalismo, participação responsável da população, do Governo e de empresas consumidoras.
O modelo viável para lidar com os resíduos sólidos urbanos já existe em países como Estados Unidos, Alemanha e Portugal. De nada adianta promover a conscientização da sociedade para a necessidade de reduzir, reutilizar e reciclar o lixo, se continuarmos a insistir em leis fora do contexto, na exploração humana, nos discursos demagógicos, na falta de visão de legisladores, na tributação de materiais reciclados e no financiamento estatal sem planejamento, entre outros erros.
Portanto, pode-se afirmar que a desoneração tributária de toda a cadeia da reciclagem e sustentabilidade deixou de ser uma aspiração ideológica e política para tornar-se direito que deve ser exercido pelas empresas do setor, se desejarem sobreviver no presente e no futuro.