Seria fora de propósito analisar as causas da corrupção no Brasil, em um despretensioso artigo. Tenciono, tão somente, explorar algumas ideias que possam servir de subsídio para uma reflexão mais percuciente sobre o tema.
Consideradas as múltiplas causas da corrupção, ganha destaque a impunidade associada à morosidade dos processos, que maltrata os inocentes e faz a alegria dos culpados.
A despeito da obviedade dessa causa não se pode esquecer que a matéria ainda carece de um debate aprofundado, que permita encontrar saídas que conciliem agilidade processual com direito à ampla defesa, para não falar de um maior incentivo aos meios alternativos para solução de litígios, a exemplo da mediação e da arbitragem.
A única certeza é que a legislação processual necessita de mudanças.
A impunidade assume grande importância na execução fiscal. Hoje, os débitos inscritos na Dívida Ativa da União ultrapassam a espantosa soma de um trilhão de reais.
Evidentemente, que há algo errado nesse processo. Tal fato, combinado com recorrentes anistias e remissões – instrumentos que só excepcionalmente deveriam ser utilizados –, constitui generoso estímulo ao sonegador e desrespeito ao bom contribuinte.
A ineficácia da execução fiscal, entretanto, não pode servir de pretexto para adoção de medidas desproporcionais, como a penhora administrativa ou a publicação de listas de devedores do fisco.
Penhora administrativa significa excluir a execução da apreciação judicial, conferindo extravagantes poderes ao fisco. Já a publicação de listas de devedores corresponde apenas à utilização de um meio vexatório para cobrança fiscal, cujo respaldo moral claudica, porque não se faz acompanhar da lista de precatórios, nomeando os credores da Fazenda Pública.
A execução fiscal demanda mais inteligência e menos músculos. Ela não funciona, porque os processos inscritos em Dívida Ativa carecem de preparação adequada, no pressuposto de que os magistrados responsáveis pelas varas de execução fiscal venham a suprir as deficiências originais.
Aqui não se exploram as escandalosas situações de imputação de responsabilidade, sem observância do devido processo legal, princípio constitucional consagrado universalmente.
Eleições são fontes inesgotáveis de corrupção. Há os que pensam que a questão pode ser resolvida por mudança no sistema eleitoral e pelo financiamento das campanhas. Não creio que seja assim.
É necessário perquirir a razão pela qual há um aviltamento moral no Congresso. Em boa medida, a explicação se encontra na degradante subtração de sua missão constitucional de legislar e fiscalizar, sobretudo, em virtude, da abusividade das medidas provisórias.
A atividade congressual passou, por consequência, a centrar-se em barganhas para tramitação de medidas provisórias e outras propostas legislativas oriundas do Poder Executivo. O foco passa a ser a aprovação de emendas à proposta orçamentárias, tecnicamente classificadas como transferências voluntárias a Estados e Municípios, ou demandas para o preenchimento de cargos, por conta de fisiologismo ou de aparelhamento.
Essas práticas desaguam, quase sempre, em corrupção.
“Anões do orçamento”, “mensalão”, “sanguessugas”, “vampiros”, comissões pagas para liberações de verbas ou licenciamento de atividades, etc. são apenas nomes distintos para fenômenos decorrentes daquelas práticas.
Mais recentemente, conhecido parlamentar mineiro, segundo o jornal O Globo (coluna “Panorama Político”, de 08.12.2011), pronunciou essa pérola do cinismo impune: “O governo nos pede milhões para a DRU e nos dá uma merreca. Ninguém é capacho”.
O espantoso é que o autor dessa lamentável frase não foi submetido a nenhum procedimento por falta de decoro ou sequer foi objeto de uma leve indignação. Parece que o decoro parlamentar há muito foi relativizado.
Enquanto permanecerem as causas que geram essa modalidade de corrupção, é só esperar pelo próximo escândalo, que será mitigado, como convém, por uma discreta investigação de Comissões de Ética ou demissão de alguma autoridade.
Enfim, todos confiam, como proclamou um dos investigados no escândalo do mensalão, que o tempo se encarregará de apagar de nossa complacente memória a história da corrupção e seus personagens.
É simplismo, portanto, atribuir as deficiências do Poder Legislativo meramente a sistema eleitoral ou financiamento de campanhas.
Outras hipóteses de corrupção poderiam ser exploradas. De qualquer forma parece evidente que vivemos uma perturbante crise axiológica, em que nossos valores estão sendo jogados ao rés-do-chão.
Quando os “malfeitos” passam a ser justificados com teses grotescas como “recursos não contabilizados”, “caixa dois de campanha” ou desvios éticos para assegurar a governabilidade, é inevitável que a sociedade aceite, sem repulsa, o governante que “rouba, mas faz”. É sinal, também, algo vai mal.
A eliminação do “ovo da serpente” da corrupção não é tarefa fácil, porque reclama lideranças políticas capazes de mobilizar a sociedade para esse objetivo, sem tentações totalitárias. Infelizmente, há uma flagrante escassez desse tipo de liderança no Brasil de hoje. A reversão dessa crise moral, entretanto, é condição indispensável para construção do futuro do País.
Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal