Que construção exótica essa, a democracia. Os pais legam aos filhos aquilo que acumularam em vida e, no direito de sucessão, nada mais legítimo que o espólio seja monopólio decorrente do laço de sangue. Foi essa a base do conceito da sucessão nobiliárquica, em que reis e rainhas transmitiam reinos a seus herdeiros ungidos pela consanguinidade.
Eis que surge a democracia e o conceito de herança se transforma porque, antes dele, transforma-se o de posse.
Surge essa difusa inspiração chamada coisa pública. E o reino, antes propriedade de regentes, passa a ser objeto dos regidos. Então, o mais belo espetáculo das instituições começa a acontecer e os donos do reino, pés descalços, desdentados, humildes, rotos, passam a escolher a quem irão legar tudo que possuem. Todo governante é antes de tudo um herdeiro, um herdeiro escolhido pelo poder da realeza da democracia, o povo, que de seu trono sagrado consagra quem herdará a missão de alcançar seus sonhos.
E neste ano de 2018 estamos a caminho da escolha de um novo herdeiro dessa esplêndida mágica da democracia, na qual uma força invisível irá ungir como rei aquele que na verdade nada mais é do que o mais destacado entre todos os súditos. E esse súdito envergara uma faixa no peito que simbolizara uma coroa e enfrentará todas as tentações e aflições de achar-se detentor de um poder, um transitório, abstrato e ilusório poder que jamais lhe pertenceu.
Porque todo o poder emana do povo, o rei da democracia, o único capaz de ungir herdeiros e ungir aqueles que podem destitui-lo de seu imponente palácio. Que imaginação foi essa capaz de criar a coisa pública e, ao criá-la, destitui-la das mãos de um e compartilha-la com todos? Quem será o herdeiro que coroaremos com nossa esperança? Que Sua Alteza, o povo, nos brinde com um póstero que cuide bem do Brasil. Sabedoria, a única súplica que fazemos ao povo-Rei.