É quase inacreditável o fato de fiscais do Ibama, na semana passada, por ordem do chefe da fiscalização em São Paulo terem determinado a paralisação do principal porto do país, o Porto de Santos. E que esta paralisação tenha durado três horas.
Com a rapidez possível, a presidência do Ibama entendeu a gravidade da ordem. Suspendeu de imediato a paralisação. Mais ainda: baixou portaria proibindo doravante que fiscais possam paralisar atividades como a de portos, hidroelétricas, aeroportos, e obras em andamento de interesse estratégico para o Estado. Ou seja, corria-se o risco de um fiscal sozinho mandar paralisar o Aeroporto de Congonhas. Além disto, mandou abrir processo disciplinar contra os fiscais. Estaria, pois contornado o problema? Estas providências são suficientes?
Acredito que não. Este inacreditável fato levanta dois outros problemas subjacentes, que precisam ser enfrentados para o indispensável aperfeiçoamento da democracia.
O primeiro é o da responsabilização civil. Quem responderá, quem pagará pelos prejuízos financeiros, milhões de dólares provavelmente, que a paralisação arbitrária do Porto terá imposto a centenas de interesses privados e públicos?
A agilidade e eficiência dos portos custam caro. É um fator competitivo e decisivo no cenário comercial global, como bem alertara na Associação Comercial do Rio de Janeiro na mesma semana o presidente das Docas do Rio de Janeiro, Jorge Mello.
Pela legislação quem responde inicialmente é o Ibama, por mais que seu presidente diga que a paralisação não representou uma ação institucional. O prejudicado terá que entrar na justiça. Se o Ibama perder, tem ainda direito de regresso contra os fiscais, que provavelmente não terão patrimônio para responder por danos tão imensos.
Este mecanismo legal de indenização de danos a terceiros causados pelo funcionário público no exercício de sua função é insuficiente para prevenir e evitar arbitrariedades como esta.
Enquanto não for revista, não passarem a existir mecanismos legais ágeis de indenização por danos causados pela administração pública, o país estará ainda sujeito a riscos como este. Sem falar na demora da ação judicial e no caso de vitória, o prejudicado pelo ato administrativo arbitrário receberá a indenização não em dinheiro. Mas com precatórios a serem pagos em dez anos. Este sistema de responsabilização atua na prática como um sistema de impunibilidade. Acaba se não por estimular, pelo menos permitir arbitrariedades de boa ou má fé.
A arbitrariedade da administração pública não se volta apenas contra os interesses privados, da cidadania, mas contra os interesses dos outros organismos públicos também, como no caso aeroportos ou hidroelétricas. É a administração pública autofágica, contra si mesma, algumas vezes.
A solução dada pelo presidente do Ibama foi que estes embargos e paralisações somente poderão ser efetuados doravante pela própria presidência do Ibama. Isto é, centralizou ainda mais o processo fiscalizatório. Concentrou o poder.
Este imenso poder vai ficar agora nas mãos de uma só pessoa. É a personalização máxima do poder de polícia. A questão democrática, portanto não é a centralização ou a descentralização deste poder. A questão é o seu controle externo, a eficiência judicial e a própria existência de tanto poder.