A questão básica do endividamento de estados e municípios remonta aos anos 60 e 70. Nesse período, o endividamento se dava via operações de créditos, que funcionavam como instrumento de financiamento dos governos estaduais. Quadro agravado pela Reforma Tributária de 1966, cujos desdobramentos levaram à concentração tributária em mãos da esfera federal e à perda de autonomia dos governos subnacionais em matéria fiscal e tributária.
De acordo com o estudo “O endividamento dos governos estaduais nos anos 90”, do economista Francisco Luiz C. Lopreato (IE/Unicamp – 2000), a União foi favorecida com ganhos na área fiscal e com o controle sobre os fluxos financeiros. Consequentemente, as operações de crédito e o fluxo de recursos federais passaram a atender os gastos não cobertos com a poupança fiscal e foram usados na acomodação dos vários interesses em jogo.
A menor capacidade tributária, segundo o estudo da Unicamp, aliada à facilidade de acesso ao mercado financeiro internacional e às operações internas, provocou mudanças na lógica de financiamento dos governos estaduais. Em resultado, ocorreu a ampliação do endividamento em detrimento da poupança fiscal e com alterações na forma de articulação financeira no interior do setor público estadual e entre os seus órgãos e a União.
A intimidade da relação estados/esfera federal cresceu muito, sobretudo em função da facilidade de negociação de verbas através dos convênios, dos fundos e programas, dos repasses a fundo perdido ou dos gastos realizados diretamente nos estados, conclui o estudo de Francisco Lopreato. Chegou-se na verdade a uma farra com recursos públicos, quando limites de endividamento eram abertamente desrespeitados e descumpridos. Renegociações de dívidas marcaram, ao longo dos anos 90, as relações dos estados brasileiros com o governo federal. Isso após os anos 80 — a chamada década perdida — já ter revelado ao país o descontrole na gestão fiscal em várias administrações estaduais em meio a crises econômicas. Num ambiente de hiperinflação e com boa parte dos estados quebrados, em 1993, o governo promoveu nova renegociação de uma parte das dívidas a um prazo de 20 anos.
No ano seguinte, a estabilização da moeda a partir do Plano Real, lançado em julho, começou a expor ainda mais a situação caótica das contas de estados e municípios. E veio uma quebradeira em efeito dominó que levou de roldão os bancos estaduais. Essas unidades da Federação se valiam de receitas provenientes do chamado “imposto inflacionário”. As administrações estaduais usavam a “correção atrelada à inflação” para aumentar as suas receitas, mas também as suas despesas. A partir de 1997, segundo informações do Banco Central, o governo Fernando Henrique Cardoso, com Pedro Malan à frente do Ministério da Fazenda, renegociou os débitos estaduais estimados em R$ 105 bilhões.
Na ocasião, as dívidas dos 23 estados e 182 municípios foram assumidas pela União. Como garantia para o pagamento das parcelas devidas, foram incluídos os recursos do ICMS. E para evitar o descontrole das finanças e a contratação de novas dívidas impagáveis, pelo contrato de renegociação das dívidas os governos estaduais também ficaram proibidos de emitir qualquer tipo de título no mercado. Eram tempos em que estados e municípios apresentavam um crescimento explosivo de suas dívidas. O endividamento saltou de 5,8% do PIB brasileiro, em 1989, para 14,4% em 1998, conforme estudo do BNDES.
Ao final de 2017, a dívida líquida do setor público não financeiro subiu de R$ 3,333 trilhões, ou 51% do PIB, para R$ 3,382 trilhões, ou 51,6% do PIB. O indicador havia fechado 2016 em 46,2% do PIB. A gestão do endividamento e das contas públicas exige acima de tudo competência técnica e transparência dos diversos entes da federação. Um dos princípios basilares da Lei de Responsabilidade Fiscal, em grande medida desrespeitado. A análise da questão prossegue na próxima semana.