Foi assim que o Vasco, mesmo perdendo, se tornou campeão da Copa do Brasil, quarta-feira, em Curitiba. Tudo começou, na realidade, em 1999.
– Vou rezar. Quer alguma coisa, meu filho?Alguma intenção especial?
A pergunta foi feita por minha progenitora, dona Elisa, antes de sair pra missa, como fazia diariamente. Na época, ela morava perto da igreja, em uma estreita viela do bairro de Aparecida, Manaus, outrora conhecida como Beco da Bosta por causa do esgoto a céu aberto. A reza dela, forte, já curou muita doença na família e operou milagres. Sua fé, robusta, tinha a premonição do pássaro que canta na madrugada ainda escura, pressentindo a aurora que se anuncia.
– Quero sim. Reze pro Vasco ser campeão! – respondi, de forma sincera, mas com um oportunismo deslavado:
– Você né besta não, José? Imagina!Com tantos problemas no mundo, Deus vai agora se preocupar com futebol? Peça outra coisa. Não me misture religião, que é coisa séria, com tolices profanas.
Ela parecia ofendida, como se eu tivesse cometido uma heresia. Expliquei que o futebol era uma espécie de religião, tinha templo, altar, crença, culto, sacerdotes – o Romário era cardeal, quase papa – e um ritual que mobilizava mais devotos do que todas as igrejas juntas. Tinha até hino que falava em cruz: “Vamos todos cantar de coração, a Cruz de Malta é o meu pendão”. Argumentei que o que estava em jogo era a felicidade do filho, dos netos dela. Não adiantou. Não rezou. O Vasco, em 1999, foi vice: perdeu pro Corinthians.
Graça especial
Agora, o que salvou o Vasco não foi só os pés do Eder Luis, o novo ídolo vascaíno. Foi o neto da dona Elisa, meu sobrinho, o Pão Molhado, um “canalha”, que possui, no entanto, duas grandes virtudes: é vascaíno e têm fé. O “Wet Bread”, como é conhecido em Miami, sempre reza, fazendo pedidos à sua avó, já falecida. Foi ele quem me ensinou o caminho das pedras:
– Tio, não adianta rezar pro Vasco ganhar, porque tem torcedor fervoroso do Coritiba que está pedindo a mesma coisa e isso complica a vida de Deus. Quem tem “co” na frente, como o Coritiba, tem medo. Mas o Vasco tem “co” atrás. A gente tem que pedir uma graça especial: rezar pro Vasco ser campeão. O resto é com Deus.
– Como é que você pode ser campeão, perdendo? – obtemperei. Sim, porque com medo dos xerifes da língua, não mais “digo” ou “respondo”. Agora, sempre “obtempero”. Malandro, Pão Molhado também obtemperou que o segredo da reza é saber pedir. Exemplificou com sua paixão fulminante pela Graça, uma “careioca” do Careiro “um filezinho, tio”. O cafajeste confessou, lambendo os beiços:
– Rezei pra vovó, pedi que ela obtivesse pra mim uma graça especial. Aí, ela intercedeu, mas como na reza falada, diferente da escrita, não aparece a letra, só o som, com ajuda da vovó acabei papando uma Graça especial com “G” maiúsculo. A Graça deu pra mim a maior bola.
A esperteza do meu sobrinho, que driblou sua avó para chegar a Deus, consistiu então em pedir: – Senhor, atendei as orações de todos os torcedores, inclusive do time adversário: que o Coritiba ganhe, mas concedei-me uma graça especial:que mesmo assim o Vasco seja campeão da Copa do Brasil”.
O mesmo pedido ecoou por todos os rincões do país. Ana Pereira, no Nordeste, Fofó no Rio, Pão Molhado no Careiro, Piriri e Mayara, em Manaus. Naqueles últimos quinze minutos finais, até o Felipe e o Diego Souza, que tinham acabado de sair para o banco de reservas, tapavam o rosto para não ver milhões de bolas do Coritiba fuzilando o Fernando Prass. A fé está em Fernando e nos dois Felipes. Eles também imploravam uma graça especial. Conseguimos o milagre. O Vasco perdeu, mas é o campeão.
Troca de time
No dia seguinte, quebrei um jejum de oito anos. Vesti a camisa número 10 do Vasco, um presente que o cacique Darcy, da aldeia de Camboinhas me deu, com autógrafos de vários índios guarani. Sai com meu cachorro. Os vascaínos que passavam motorizados me saudavam, os que iam a pé confraternizavam. Nós nos sentimos heróis como os bombeiros do Rio, torcedores do primeiro clube que lutou contra a discriminação, aceitando negros, mulatos e brancos pobres na sua equipe, numa época em que o futebol era esporte da elite.
Ninguém escolhe por quem torcer. Você é escolhido. Fui escolhido em 1947, ano em que nasci, quando o Vasco aplicou a maior goleada do futebol profissional no Brasil. Derrotou em São Januário o Canto do Rio por 14 a 1, com um timaço: Barbosa, Augusto e Rafanelli, Eli, Danilo e Jorge, Nestor, Maneca, Dimas, Ismael e Chico.
Como cantava Lamartine Babo, “tua imensa torcida é bem feliz / Norte e sul / norte e sul deste país / tua estrela, na terra a brilhar / ilumina o mar”. Lá em Manaus, qualquer vascaíno nos anos 1950 era capaz de cantar o hino e escalar o seu time, que logo se renovou com craques como Bellini, Pinga, Vavá e Sabará, todos eles jogadores do time de botão do Euclides Coelho de Souza, vice-campeão amazonense (até no botão, a maldição do “vice”).
O filósofo Paulinho Kokai obtempera que você pode trocar de mulher ou de marido, o jogador pode até trocar de time, em função do profissionalismo, mas na história mundial do futebol ninguém conhece um só torcedor que tenha virado casaca. “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo”. Isso já faz parte da identidade de cada um. Eu não torço pelo Vasco, eu SOU Vasco.
Ser Vasco não é escolha, é destino. Ninguém troca de time. Minto. No mundo só existe uma pessoa que muda cada quatro anos, é o eterno Secretário de Cultura do Amazonas, Robério Braga, o Berinho. Quando o novo governador entra no Palácio e chama o Berinho pra primeira audiência, pergunta dele:
– Berinho, que time é o teu?
Fiel, caninamente leal ao Poder, Berinho desenha sempre a mesma resposta:
– O mesmo que o seu, governador.
P.S. Uma leitora do município de Itacoatiara, Zeni Soares me escreve, “com muito pesar, dor e revolta” para dizer que a UEA cancelou o curso de Pedagogia – Licenciatura Cultural Indigena, excluindo os acadêmicos não indígenas. O novo reitor da UEA parece que está desmontando a obra construída pela Marilene Correa. Voltaremos ao assunto.
Caro Ribamar Bessa Freire;
Mesmo quando não concordo com sua opinião, não deixo de reavaliar a minha. Foi assim com seu último artigo sobre a volta dos Índios Tarumã, aquele assentamento onde os representantes de várias etnias indígenas ocupam uma área próxima ao aeroporto Eduardo Gomes.
Sempre me considerei defensor da causa indígena, sobretudo da demarcação de suas terras. E, imbuído deste sentimento, depois de muito ouvir e ler na imprensa local sobre a ocupação, aceitei o convite formulado pelos líderes do movimento e fui conhecer sua realidade.
Ao chegar, alertei a todos que a solução do problema não passava por mim, afinal, minhas atribuições se limitam à comarca de Manacapuru, mas, mesmo assim, gostaria de ouvi-los e conhecer suas expectativas, e fui atendido.
Andei de abrigo em abrigo, conheci os representantes de cada etnia (vinte e duas ao todo), pessoas simples e com aquela alma generosa peculiar do nosso povo. A maioria esmagadora, na verdade quase todos, não falava a linguagem indígena. Não fossem os cocás não haveria como diferenciá-los, pelo menos fisicamente, dos nossos ribeirinhos, ou de boa parte dos amazonenses, mesmo daqueles residentes em Manaus. Reivindicavam moradia, emprego e o direito de acesso ao ensino superior.
Inquietei-me com as perguntas por mim e a mim mesmo formuladas: 1) ao atender as reivindicações destes não estaríamos a incentivar que muitos outros saíssem de suas aldeias ou reservas, muitas delas já demarcadas ou em processo de demarcação, como, por exemplo, os Muras em Autazes? 2) qual a diferença desses “indígenas” da generalidade dos amazonenses, visto que não guardam mais nada ou quase nada de sua cultura, assim como boa parte da população do Amazonas que sabidamente descende dos indígenas 3) por que diferenciá-los do conjunto da população?
Seja como for, não me parece de fácil solução a questão dos indígenas, sejam eles das aldeias ou das cidades. Certamente deveríamos ter agido de maneira diferente com eles no passado. Mas e daqui pra frente? Dar-lhes terras em Manaus será a solução?
O Senhor deveria dar mais ênfase ao futebol local, pois estamos no estado do Amazonas e proximos de uma copa do Mundo. Onde está o sentimento regional dos amazonenses no esporte? DEFENDEM POLICIA , ECONOMIA, MAS NA HORA DE EXIGIR PROJETOS PARA NOSSOS CLUBES DÃO AS COSTAS… AINDA NAO ENTENDO PORQUE UMA COPA NO AMAZONAS, SE DEPOIS DELA NÃO HAVERÁ MAIS NADA A FAZER? NÃO HÁ 1 PROJETO SEQUER EM ANDAMENTO PARA MELHORIA DO FUTEBOL AMAZONENSE.. LAMENTAVEL…