Quarta-Feira de Cinzas

Quarta-Feira de Cinzas

É nessa data do calendário religioso que assisto apreensivo à injustificada e insana agressão, com ameaças de uso de armas nucleares, da Rússia ao heroico povo ucraniano, ratificando o entendimento do biólogo Edward O. Wilson (1929-2021) de que nossas emoções pouco evoluíram desde a Idade da Pedra, quando cotejadas com a evolução do conhecimento científico e tecnológico.

Ninguém é capaz de prever os desdobramentos dessa agressão, especialmente quando combinada com uma insidiosa pandemia, ainda não totalmente debelada, e eventos climáticos extremos, decorrentes da desatenção com o meio-ambiente. Desconheço precedente histórico de tão insólita combinação.

É certo, contudo, que, para além da tragédia, serão graves e persistentes as repercussões econômicas e sociais em todo o mundo. Para enfrentá-las, será crucial um incomum esforço de criatividade, determinação, resiliência e solidariedade, do qual o Brasil não poderá se eximir. Alienação não é uma boa escolha.

No Brasil, hoje, há escassez de lideranças públicas, pouca qualificação nos debates e elevado grau de polarização política. A despeito disso, não custa suscitar a conveniência de instalar um gabinete de crise, como já foi feito em situações muito menos graves, para construir convergências e confortar a sociedade.

Nesse contexto, é totalmente inoportuna a tramitação de legislações controversas ou que causem impactos severos sobre preços, entes federativos ou regiões, como: a legalização dos jogos de azar, cujas repercussões sobre  lavagem de dinheiro e corrupção sequer foram exploradas; a PEC dos Combustíveis que, além de inconsistente, é incapaz de minimamente enfrentar as turbulências que se anunciam no mercado internacional de combustíveis; a PEC 110 que, desabastecida de estudos e projeções, introduz ou altera mais de duas centenas de dispositivos constitucionais, agride o federalismo fiscal em desfavor dos Municípios, desloca carga tributária das indústrias não intensivas em mão de obra e instituições financeiras para o agronegócio, comércio, serviços e pequenas e microempresas, e prevê um prazo de implantação de 40 anos, sem resolver os problemas de hoje e contratando problemas futuros.

O poeta T. S. Elliot, que inspirou o título deste artigo, fez um terrível presságio em “Os Homens Ocos”: “Assim expira o mundo/Não com uma explosão, mas com um gemido”.  Esta é a hora de apoiar governos, instituições e pessoas que militam em favor da prevalência da civilização sobre a barbárie.