Do PODER360, por Everardo Maciel:
O problema da previdência
A proposta de reforma previdenciária, encaminhada pelo governo, é sensata. Vai requerer, entretanto, um árduo esforço de convencimento da opinião pública, sempre reticente quanto às intenções dos governos e dos políticos.
É certo que existe uma profusão de estudos técnicos qualificados, explorando a matéria sob diferentes perspectivas e convicções.
O tema, contudo, não alcançou o patamar mínimo de percepção por parte da sociedade, seja porque é de difícil manejo para um leigo, seja porque, para muitos, a reforma importará em perdas ou diferimento de benefícios.
Faço algumas anotações com o propósito de esclarecer algumas questões, sem recorrer à utilização, às vezes abusiva, de estatísticas.
O problema da previdência é universal. O aumento da expectativa de vida combinada com a redução da natalidade inverteu a pirâmide demográfica em todo o mundo, significando menos contribuintes e mais beneficiários.
Esse desequilíbrio será tanto maior quanto mais intensa for a revolução tecnológica que, inevitavelmente, implicará desemprego ou novas formas de trabalho.
A sustentação do atual modelo de financiamento, ao menos no curto e médio prazo, vai requerer postergação de benefícios e/ou elevação da alíquota dos contribuintes.
As alíquotas exigidas podem alcançar patamares inaceitáveis. Receio que, nessa hipótese, possamos vir a ter explosivos conflitos intergeracionais.
Não é fora de propósito admitir-se que, no longo prazo, a previdência só será viável mediante a adoção de alguma variante do regime de capitalização.
A previdência no Brasil é deficitária. Impressionam muito os malabarismos retóricos utilizados para tentar demonstrar que esse déficit não existe.
O principal argumento utilizado é que a aposentadoria dos trabalhadores rurais deve ser contabilizada como assistência social, tendo em vista que eles não contribuíram para a previdência. Trata-se de uma falácia.
Se fôssemos considerar tão somente as contribuições dos trabalhadores, a previdência social seria estruturalmente deficitária. Justamente por isso é que a previdência social recruta outras receitas, inclusive dos próprios aposentados, para, em nome do princípio da solidariedade, financiar os benefícios concedidos.
A sociedade contribui para o pagamento de todas as aposentadorias e, portanto, a dos trabalhadores rurais. A diferença é apenas no tamanho do subsídio. Não há, por conseguinte, razão para excluir das contas da previdência social os trabalhadores rurais que se aposentaram por idade.
A instituição do orçamento da seguridade social, uma péssima ideia do legislador constitucional em 1988, responde por essa confusão conceitual.
As isenções não são responsáveis pelo déficit previdenciário. As fontes de financiamento da previdência social, que complementam as contribuições do trabalhador e demais segurados, não têm que necessariamente observar padrão homogêneo.
A opção pela folha de salários como base de cálculo para a contribuição patronal é arbitrária. Poderia ser qualquer outra: lucro, faturamento, movimentação financeira, etc.
No caso específico da folha de salário, quando a alíquota se torna muito elevada –como no Brasil– produz-se um conflito entre a demanda por receitas e a geração de empregos, que explica em boa medida a informalidade no mercado de trabalho.
É equivocado qualificar como desoneração a substituição da folha de salários por receita bruta. Trata-se de mera troca na base de cálculo da contribuição. A decorrente queda na arrecadação não pode servir de pretexto para glorificar a cobrança centrada na folha de salários. Os desempregados não vão apreciar a sugestão.
O tratamento dispensado aos optantes do Simples e aos microempreendedores individuais corresponde a expressa determinação constitucional.
As isenções das entidades filantrópicas (R$ 10,7 bilhões, em 2015) podem admitir ajustes na margem, na perspectiva das respectivas políticas setoriais. Nada, contudo, que possa compensar o estratosférico déficit previdenciário (R$ 180 bilhões previstos para 2017).