Por Ribamar Bessa:
Será que o deputado José Mendonça Filho (DEM vixe vixe), citado na 23ª fase da Operação Lava Jato, vai encaminhar seus três filhos para a Kennedy School (EUA), a mesma onde ele estudou? Ou matriculará os jovens na escola brasileira, cujo ensino médio quer agora reformar como ministro temerário da Educação? Qual o modelo de professor que ele propõe? Como será qualificado? Com qual salário e em quais condições de trabalho? O ministro tem consciência de que existem professores nadando no Brasil?
Essas perguntas me vieram à mente quando reli notícia que há tempos vem circulando na internet, contando a história do professor Abdul Mallik, de 44 anos, que vive em Kerala, no Sul da Índia. Diariamente, ele acordava de madrugada, disputava vaga em linhas de ônibus entupidos e neles dava uma longa volta contornando o caudaloso rio que separa a sua casa da escola, onde ensina crianças do ensino fundamental. Demorava três horas. Decidiu, então, encurtar o caminho e atravessar o rio a nado, com água até o pescoço, o que vem fazendo diariamente há 25 anos.
Essa é sua rotina. Ele caminha a pé por uma floresta de teca, árvore nativa da Índia usada para fazer móveis e embarcações e muito valiosa por resistir ao sol e à chuva. Dez minutos depois chega à margem do rio. Coloca dentro de um saco de plástico sua roupa, a marmita com o almoço, livros e cadernos e vai nadando no poluído rio Kankirapuzha apoiado em uma câmara usada de pneu. Ao chegar na outra margem, se seca, troca de roupa, escala uma pirambeira e anda um quilômetro até a escola. Trabalha a tempo integral por um salário mensal de 25 mil rúpias, equivalente hoje a R$ 1.250,00.
Ele explicou, em entrevista a uma televisão local, que a Índia é um país com graves problemas de evasão escolar e que seu compromisso é motivar os alunos para que não abandonem os estudos. Militante ambientalista, leva as crianças em passeio pelo rio para observarem a sujeira acumulada e se conscientizarem de que o rio Kankirapuzha não pode morrer. Uma delas, Jahangir, de sete anos, quando perguntado o que queria ser quando crescer, respondeu: “Quero ser como o mestre Mallik”.
Contra a corrente
Suspeito que Mendonça Filho, assessorado por Alexandre Frota, talvez não saiba que nos rios desses brasis existem muitos professores nadando contra a corrente, que ainda servem de modelo a seus alunos. Desconfio que sequer sabe qual é o salário de um professor, discriminado não apenas pela remuneração indecente, mas porque sequer é consultado sobre a medida provisória editada arbitrariamente que afeta o destino da educação escolar. A reforma silencia sobre salário, condições de trabalho e qualificação. No lugar de qualificar professores, Mendonça propõe a contratação de pessoas sem licenciaturas que seriam portadores de “reconhecido saber”. Reconhecido por quem? Que tipo de saber?
O saber que eles querem pode ser qualquer um, desde que não seja ferramenta crítica para pensar. A proposta inicial previa que Artes, Educação Física, Sociologia e Filosofia deixariam de ser obrigatórias no currículo do Ensino Médio, o que na prática representa sua eliminação. Diante do protesto generalizado, esta decisão foi remetida para a controvertida BNCC – Base Nacional Comum Curricular. Mas os burocratas continuam achando que é tempo desperdiçado com inutilidades, e não se preocuparam em saber o que pensam professores e estudantes.
Um deles, filho de Fernanda Torres e neto de Fernanda Montenegro, expressou opinião contrária. Com seu pensamento se identificam muitos alunos. Ele reagiu aos cortes “dizendo que o objetivo das medidas é escravizar a rotina de estudo para impedir que os alunos pensem”. Reclamou ainda do pouco tempo atualmente reservado à sociologia, à filosofia e à literatura, e disse que se ressente de um intercâmbio entre disciplinas, conforme informou sua mãe em artigo na Folha de SP (30/9). Ela condenou o currículo que desconsidera a saúde mental e física dos alunos.
Retrocesso
A reforma proposta por Mendonça Filho é obscurantista e representa um enorme retrocesso. Nesta sexta (30), falando a uma plateia de empresários convidados pela revista “Exame”, o presidente Michel Fora Temer reconheceu isso quando declarou abre aspas: “É interessante no Brasil que as coisas se renovam para voltar ao passado”, fecha aspas.
Não foi nesse projeto que votaram 54 milhões de brasileiros. Nesse sentido é que fica evidenciado o golpe dado sob a batuta de Eduardo Cunha, o correntista de bancos suíços, que continua circulando livremente pelos restaurantes da capital sem ser incomodado por Sérgio Moro ou Deltan Dallagnol. Desprezaram a vontade de milhões de brasileiros.
O Ministério da Educação foi entregue como prêmio a Mendonça Filho por ter sido ele o coordenador do Comitê Impeachment Já, apesar de, além da Lava Jato, se encontrar envolvido na Operação Castelo de Areia deflagrada pela Polícia Federal em 2009. Na época, foi identificada doação de R$100.000,00 da Construtora Camargo Corrêa para a sua campanha.
Com esse currículo, o ministro não tem cacife para melhorar o ensino escolar no Brasil, nem sensibilidade para conversar com educadores que, como o professor da Índia, nadam diariamente para poder ensinar. “Encontrei professores em Moçambique na mesma situação no tempo de chuva, são heróis” comentou Eva Johannessen, que foi professora no Instituto de Educação Especial na Universidade de Oslo e conhece bem a realidade amazônica.
Tive o prazer de viajar com Eva pelos rios Uaupés e Tiquié, em 2003, na região do Rio Negro, para avaliar a escola bilíngue Ütapinopona dos índios Tuyuka, num processo que abrangia ainda as experiências-piloto na Escola Indígena Pamáali dos Baniwa e Coripaco e o Centro de Cultura Tariana. Os burocratas que redigiram a Medida Provisória muito ganhariam se pudessem assistir uma aula de leitura e escrita em língua tuyuka ou de etnomatemática. A metodologia original desenvolvida pela professora com crianças de 5 a 10 anos merece uma crônica à parte.