Por Pedro Canário
O processo eletrônico pode trazer muitos benefícios à população, principalmente por diminuir a burocracia e o tempo de tramitação das ações judiciais. Mas, para os advogados, ele ainda pode ser um grande problema. Dos 672,1 mil advogados registrados na OAB, apenas 68,8 mil têm certificados digitais para fazer peticionamentos eletrônicos e ter acesso à Justiça digital.
Esse número representa pouco mais de 10% de todos os profissionais do país, segundo dados da Certisign, empresa que emite a maior parte dos certificados para os advogados. Por outro lado, é uma cifra que cresce com relativa rapidez. A Certisign cadastrou 31,9 mil novos registros entre janeiro e agosto deste ano, o que já é um salto de 28% em relação ao ano passado inteiro, com 24,8 mil novos certificados digitais. Frente 2009, porém, o ano de 2010 registrou um crescimento de quase 120%.
Paulo Cristóvão Silva Filho, juiz auxiliar do Conselho Nacional de Justiça, entretanto, lembra que existem outras entidades certificadoras no país. Sendo assim, ele afirma que o Brasil tem entre 200 mil e 250 mil advogados ativos, segundo a OAB. Desses, cerca de 35 mil têm certificações digitais, o que dá em torno de 20% — ainda baixo, segundo ele. Entre as entidades que registram certificações, estão Serpro, Caixa Econômica Federal e a Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) — esta última só para os advogados registrados em São Paulo.
O número ainda é baixo, segundo Paulo Cristóvão, mas é porque ainda não há a obrigatoriedade do certificado. “Há uma acomodação natural de permanecer com o status quo”, afirma. Quando houver a obrigatoriedade, prevê, essa demanda vai aumentar naturalmente.
O juiz auxiliar informa que o CNJ e o Judiciário ainda não tornaram as certificações obrigatórias a pedido da OAB. A Ordem, diz, quer que antes sejam feitas mais campanhas de inclusão digital e de redução de preços, para que depois haja a obrigação. Uma certificação digital da Certisign, já impressa num chip na carteira da OAB, sai por R$ 120. Uma leitora do chip custa, em média, R$ 160.
Injustiça digital
Segundo o presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, no entanto, os números da Certisign são “injustos”. Ele explica que alguns tribunais criaram sistemas de cadastro, por meio de login e senha, sem exigir certificados digitais, e muitos advogados os usam. E esses não são computados nos dados da companhia certificadora.
Mesmo assim, Ophir reconhece que a advocacia anda a passos lentos em direção à inclusão digital. Ele aponta dois fatores principais: resistência cultural e falta de estrutura do Judiciário e dos tribunais. O último motivo, diz, é técnico e passa pela falta de “maquinário adequado” da maior parte dos tribunais brasileiros, que não têm condições de armazenamento de arquivos, ou computadores suficientes. “Há sistemas que não aguentam processos com mais de mil páginas, por exemplo.”
Paulo Cristóvão, do CNJ, entretanto, afirma que a maioria dos tribunais faz isso propositadamente. Eles impõem limites de tamanhos de documentos que podem ser peticionados eletronicamente, como é o caso do Supremo Tribunal Federal, que permite 10 MB por documento. “Imagine que você peticiona um arquivo mil páginas, ou uns 20 MB, mas a pessoa que vai receber tem uma conexão de internet discada. Os tribunais fazem isso para garantir o direito de defesa, para que todos possam ter acesso a todos os documentos.”
Quanto à resistência cultural, Ophir Cavalcante, da OAB, explica que a maior parte dos advogados vem de gerações que não estão acostumadas com o computador. Passaram toda sua vida profissional lidando com processo em papel, e de repende têm de lidar com documentos digitais, em telas de computadores. Isso, inclusive, exige uma série de investimentos “anormais” aos advogados, como scanner, ou a máquina leitora de certificados digitais.
“Falta de sensibilidade”
Esses investimentos, continua Ophir, são outro motivo importantíssimo para o atraso dos advogados, em relação ao Judiciário, no processo eletrônico. “Pessoas físicas não têm a mesma velocidade de investimento que o Estado, que já gastou milhões de reais com diversas versões diferentes de programas”, explica.
Parte desses investimentos foi nos chips das carteirinhas, onde vêm inscritos os certificados digitais. Ophir Cavalcante informa que, há dois anos, o Instituto de Tecnologia da Informação do governo federal (ITI) optou por uma tecnologia de certificação. Ano que vem, porém, essa tecnologia-padrão vai mudar, de novo por determinação do ITI, segundo o presidente do Conselho da OAB.
Ou seja: “os advogados tiveram de gastar dinheiro com esses chips, para refazer suas carteirinhas [um certificado digital custa R$ 120], e agora vão ter de gastar de novo por essa falta de sensibilidade do governo com o assunto”, reclamou o advogado.
Desigualdade regional
Os estados também são diferentes em relação à inclusão digital dos advogados. O Paraná é o estado mais conectado, com 54% de seus profissionais com registros na Certisign — ou 20,8 mil pessoas, dos quase 40 mil advogados do estado.
O paranaense José Ricardo Cavalcanti de Albuquerque, da Comissão de Direito Eletrônico do Conselho Federal da OAB, defende a teoria da obrigatoriedade, do CNJ. Ele explica que o alto índice de advogados com certificado de seu estado se dá por conta da Justiça do Trabalho local. Lá, conta, quase 80% dos tribunais trabalhistas já são inteiramente digitais. Além disso, todos os Juizados Especiais Federais já são adeptos do processo eletrônico.
Além disso, a OAB paranaense começou, em 2009, a criar centros de inclusão digital para ajudar os advogados a entrar no mundo da tecnologia. Nesses lugares há computadores, leitoras de certificados e profissionais qualificados a ajudar quem ainda não conseguiu se entender com o peticionamento eletrônico.
José Ricardo Albuquerque era o coordenador da Comissão de Direito Eletrônico da OAB-PR na época. Ele lembra que o programa surgiu por causa da falta de estrutura fornecida pelo Judiciário para que os advogados passassem a se certificar. “Infelizmente, os tribunais não se concentram tanto em dar essa estrutura, e aí a OAB arcou com o custo dessa responsabilidade.”
A OAB do Rio de Janeiro teve ideia semelhante. Decidiu, por iniciativa da Caixa de Assistência dos Advogados do Rio (Caarj), no fim do ano passado, criar os centros de inclusão digital e dar aulas gratuitas para os advogados. As mesmas aulas foram gravadas em vídeo e hoje são transmitidas no site da entidade. Além disso, vendem a certificação pelos R$ 120 exigidos pela Certisign e fornecem as leitoras gratuitamente.
O resultado foi um salto na quantidade de advogados com certificados digitais. No ano passado, eram 1,3 mil certificados, e só até agosto deste ano, a cifra já pulou para 10,7 mil. Hoje, 11% dos advogados fluminenses têm a certificação da OAB, fornecida pela Certisign.
Dois pesos
Já São Paulo, pelos dados da Certisign, é praticamente um estado no papel. Dos 226 mil advogados registrados na OAB, apenas 5,9 mil têm a certificação da companhia. Ou seja: 89% dos advogados paulistas não têm condições de peticionar eletronicamente.
Acontece que a maiorias das certificações digitais do estado é feita pela Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), por meio da Imprensa Oficial de SP. A entidade tem 17 mil de advogados certificados. Levando em conta que a Aasp tem 90 mil advogados cadastrados.
Mas não é a obrigatoriedade que explica São Paulo, e sim a concorrência. Enquanto, a certificação da Certisign custa R$ 120, fora os custos da leitora, a Aasp oferece um pacote que sai mais de R$ 100 mais barato. O advogado pode, em SP, comprar a certificação, a carteirinha (no caso da Aasp, a certificação não fica na carteirinha da OAB, mas num documento separado) e a leitora saem por R$ 99.
Segundo o CNJ, é, sem dúvida, o preço mais barato do mercado. Onde não há pacotes, o advogado é obrigado a gastar, em média, R$ 240 para se certificar.
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.