Por ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
DE SÃO PAULO – Folha
Mudanças no mercado de trabalho brasileiro têm ampliado a fatia dos “sem previdência” e contribuído para o rombo no sistema de aposentadorias e pensões.
Os números do INSS mostram que vêm minguando os contribuintes assalariados de maior renda. De 1996 a 2015, o contingente dos que recebem acima de sete salários mínimos (equivalente a R$ 6.559 em 2017) encolheu 14%.
Numa faixa superior, a dos que ganham mais de 15 salários mínimos, a redução foi mais que o dobro: 33%.
Isso significa que um número menor de pessoas paga contribuições mais altas, num sistema em que, ano a ano, as despesas crescem em velocidade superior à das receitas (veja quadro acima).
Um dos principais motivos para o “sumiço” dos contribuintes assalariados com valor mais alto é que eles estão virando empresas, dizem economistas, num movimento que vem se agravando.
De 2009 a 2015, o número de contribuintes não empregados (trabalhadores por conta própria, empresários e outros) cresceu a taxas maiores do que o de empregados; ao mesmo tempo, a queda de empregados com maiores salários acelera.
O impacto sobre as contas da Previdência só não é maior porque a fatia de contribuintes com salário maior que o teto tem se mantido estável: entre 5% e 6% desde 2004, quando houve o último aumento real do valor do teto.
Luciano Veronezi / Editoria de Arte / Folhapress
“OS SEM PREVIDÊNCIA*
O fenômeno em que trabalhadores mais qualificados deixam de ser contratados como pessoa física por uma empresa e passam a prestar serviço como pessoa jurídica é chamado de “pejotização”.
O arranjo interessa tanto aos empregadores quanto aos profissionais —os primeiros passam a pagar menos contribuição sobre a folha de salários, e os segundos, menos Imposto de Renda.
Cálculos do especialista em tributação Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, mostram que, sobre honorários de R$ 30 mil, um empregado paga tributos de R$ 4.285, e seu empregador, de R$ 11.379.
Como sócio de uma empresa sob o regime de lucro presumido, o mesmo profissional paga R$ 1.181 como pessoa física e R$ 4.899 como jurídica -valor que cai para R$ 1.962 no regime do Simples.
Sobra mais dinheiro no bolso desses trabalhadores, mas eles ficam mais descobertos para o futuro. Um dos motivos é que, para pagar menos tributos, a maioria dos PJs declara um salário mínimo como pró-labore -e recolhe a contribuição previdenciária sobre esse valor.
Quando se aposentar, vai receber do governo uma aposentadoria equivalente, hoje, a R$ 937. Para complementar a renda, seria preciso fazer poupança própria para o período de aposentadoria.
Pesquisa Datafolha, porém, mostra que a maioria não toma esse cuidado.
Não têm previdência privada 91% dos não assalariados (como donos de empresa, informais e desempregados), e 60% não fazem aplicações financeiras com esse intuito.
Mesmo entre os mais ricos, 77% não têm plano privado de aposentadoria e 45% não poupam. Em qualquer faixa de renda, menos de um terço dos trabalhadores sem registro em carteira contribui voluntariamente para o INSS.
Pelas regras atuais, esses profissionais também não têm acesso a planos fechados de aposentadoria complementar.
‘REFORMA PRIVADA’ É URGENTE, DIZ ECONOMISTA
“Todos olham hoje para a reforma da Previdência Social, mas é preciso urgentemente mudar a previdência privada”, diz José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV e professor do IDP (Instituto de Direito Público de São Paulo).
“Não só sob o enfoque de macroeconomia mas também de proteção social.” Para Afonso, boa parte da classe média se arrisca hoje a ficar descoberta no final da vida.
Se o mercado de trabalho não se restringe à fórmula empregado-empregador, os fundos de pensão deveriam deixar de ser apenas ligados a corporações e passar a atender grupos de empresas menores, federações setoriais ou associações de profissionais.
Mas as regras dessa previdência —criadas para impedir desvios em grandes estatais- mostram-se complexas, custosas e rígidas para empresas médias, diz Afonso.
Segundo o economista, o setor ficou congelado no tempo. Uma das evidências é que há mais de dez anos não se cria um novo fundo de previdência complementar patrocinado por uma empresa.
A pesquisa Datafolha mostra que mesmo entre os assalariados, que poderiam ter previdência complementar, só 14% têm plano privado.
“É preciso rever todos os processos de regulação financeira e previdenciária, dos planos fechados e abertos, e ter políticas públicas que atraiam mais gente para poupar em aplicações de longo prazo”, diz Afonso.