Preocupações com a reforma política

Por José Dirceu

O andamento dos debates sobre a reforma política tem gerado preocupação quanto ao rumo que estamos tomando. Sem meias palavras, o atual cenário traz sérios riscos de a reforma se transformar em um retrocesso, e não em um avanço nas questões centrais.

Evidentemente, isso se deve aos inúmeros interesses em jogo e aos muitos cálculos político-eleitorais de curto prazo. Mas há também uma perda em relação ao conceito de reforma que devemos perseguir.

Nesse sentido, é fundamental refletir sobre questões que cercam o novo modelo político-partidário e eleitoral para o Brasil.

Queremos valorizar a figura do candidato ou os programas dos partidos? Como aproximar o eleitor do partido e do processo eleitoral? Como delimitar a influência que o poder econômico tem hoje nas eleições? Essas são questões capazes de organizar o debate e permitir acordos por uma reforma política que interessa a sociedade.

Infelizmente, as últimas movimentações no Congresso Nacional vão no sentido da dispersão do debate, podendo desaguar na não aprovação da reforma ou, pior, em um novo marco legal que acentue nossos problemas ao invés de resolvê-los.

A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou texto que proíbe a coligação proporcional e que convoca uma consulta popular para que a população se manifeste em relação ao voto em lista ou no candidato.

No entanto, o trabalho no Senado tem sido o de se debruçar sobre o voto proporcional e não sobre o voto majoritário ou outras questões relativas ao Senado.

Além disso, há meses, aventa-se a ideia de criar o “distritão” —uma deturpação do modelo de voto distrital que caminha no sentido oposto ao que podemos esperar da reforma.

Se, no voto distrital, criam-se zonas eleitorais que restringem o número possível de candidatos ao Legislativo por grupo de cidades, o “distritão” desenharia essas zonas eleitorais na fronteira atual dos Estados —cada Estado viraria um grande distrito. Mas essa “saída” fere os princípios da proporcionalidade e da soberania do voto.

Na Câmara, a reforma parou e parece ter saído da agenda política da Casa. Enquanto isso, ganha corpo a campanha contra o voto em lista, com o PTB à frente, inclusive utilizando seu horário televisivo. Isso sem ao menos esclarecer a população o que representa esse avanço, quais os países que adotam esse modelo, os prós e os contras.

Não se esclarece, por exemplo, que, ao estabelecer que o eleitor vota no partido, estimula-se que cada legenda apresente com mais clareza e detalhes seu programa e propostas, permitindo ao cidadão uma escolha mais próxima do campo das ideias do que do campo da simpatia por nomes.

O voto em lista é uma maneira de combater o poder dos grandes grupos econômicos que financiam campanhas e atuam [para] abafar o verdadeiro debate político.

A consulta pública surge, assim, apenas como a manobra final para enterrar o voto em lista. Não há mobilização, não há debate público sobre a reforma política. Vivenciamos uma superficialidade no debate e um elevado nível de desinteresse em levar a reforma adiante.

Se consideramos a reforma política “a mãe das demais reformas”, temos que nos dar conta da gravidade da situação e resgatar as reflexões que estamos deixando de lado. Precisamos debelar a ideia de “distritão”, bem como a do fim do voto obrigatório. Mas precisamos primeiro recuperar o sentido maior da reforma política.

O momento, portanto, é de reorganização das forças que querem melhorar o atual sistema político-eleitoral e partidário. A reforma deve passar por avanços como o fortalecimento da fidelidade partidária, o financiamento público de campanha e voto proporcional e obrigatório, independentemente se será em lista ou distrital misto.

Esse deve ser o norte das transformações. Ao PT, cabe a grande responsabilidade de reconduzir esse debate aos trilhos que interessam à sociedade.

José Dirceu, 65, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT