O expressivo aumento dos gastos com precatórios federais, previstos para 2022, só pode ter causado surpresa aos que se descuidaram de acompanhar sua constituição em exercícios passados.
Serviram, contudo, como argumento para a pretensão de furar o teto de gastos, sob a alegação de que não haveria como promover aumento de transferências de renda aos vulneráveis.
Entendo que o teto de gastos, instituído por emenda constitucional, afora suas impropriedades formais, não foi uma solução tecnicamente primorosa, mesmo porque não enfrenta as causas de injustificadas expansões da despesa pública. Foi, entretanto, o pacto fiscal possível, enquanto se aguarda uma indispensável reforma do Estado.
Violar esse pacto, salvo em situações excepcionais, pode ter severos impactos na formação de expectativas e, por consequência, sobre a inflação e os juros.
Em 2021, os problemas sociais decorrentes da pandemia, por ser inequívoca situação de calamidade pública, justificou plenamente a violação do teto de gastos. Agora, já não se pode dizer o mesmo.
Os precatórios, previstos para 2022, já constam da proposta orçamentária encaminhada ao Congresso. Logo, eles são pagáveis, mormente quando se considera o bom desempenho das receitas federais. Não é esse o problema, mas pode ser a solução para as transferências de renda.
Em princípio, esse objetivo poderia ser alcançado mediante corte ou realocação de despesas, como as chamadas “emendas parlamentares” – expressiva evidência da anarquia orçamentária vigente. Essa hipótese, ainda que razoável, nas circunstâncias é, entretanto, politicamente inviável.
Há, felizmente, outras formas de contingenciar despesas, mirando justamente os precatórios.
Precatórios e créditos inscritos em dívida ativa têm a mesma presunção de certeza e liquidez. Portanto, precatórios próprios ou adquiridos de terceiros, vencidos ou com liquidação prevista para o exercício seguinte, poderiam, em caráter permanente, ser compensados com qualquer crédito inscrito em dívida ativa ou ser utilizados para quitação de parcelamentos concedidos, pagamentos em outorgas de serviços públicos ou na alienação de imóveis da União, aquisição de participações societárias em processos de privatização e, por fim, como moeda na resolução, mediante transação, de vultosos litígios tributários, a começar pela controversa dedutibilidade do ágio.
A boa notícia é que tudo isso pode ser feito por lei ordinária, sem furar o teto, nem postergar o pagamento de precatórios.